DOCUMENTOS HISTÓRICOS
1-APRESENTAÇÃO
Tendo em vista a grande importância dos documentos históricos para a construção do discurso histórico e para saciar a curiosidade das pessoas em geral, nesta seção constará alguns documentos históricos embarcando diversos períodos históricos da História Humana. Os documentos históricos arrolados nesta seção serão divididos em duas partes, a saber: Documentos Históricos da História Universal e Documentos Históricos da História do Brasil. Os documentos históricos relativos da História Universal são os seguintes, a saber: Debate Para o Esclarecimento do Valor das Indulgências Pelo Dr. Martinho Lutero, 1517 (95 Teses), Declaração de Independência, Carta do Cacique Sealth, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Carta das Nações Unidas, Declaração dos Direitos Humanos, Convenção Sobre os Direitos Políticos da Mulher, Declaração dos Direitos da Criança e Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares. Os documentos históricos relativos da História do Brasil são os seguintes, a saber: Carta de Achamento do Brasil, Lei Diogo Feijó, Lei Euzébio de Queirós, Decreto Imperial 731 (Regulamentação da Lei Euzébio de Queirós), Lei de Terras, Decreto Imperial 1.318 (Regulamentação da Lei de Terras), Lei Nabuco de Araújo, Lei do Ventre, Lei dos Sexagenários, Decreto Imperial 9.517 (Regulamentação da Lei dos Sexagenários),  Lei Áurea e Carta-Testamento (Getúlio Vargas).

2-DOCUMENTOS HISTÓRICOS DA HISTÓRIA UNIVERSAL
Documento 1
Título: Debate Para o Esclarecimento do Valor das Indulgências Pelo Dr. Martinho Lutero, 1517 (95 Teses)
Contexto Histórico: Reforma Protestante
Autor: Martinho Lutero
País: Sacro Império Romano-Germânico (atual Alemanha)
Ano: 1517

DEBATE PARA O ESCLARECIMENTO DO VALOR DAS INDULGÊNCIAS PELO Dr. MARTINHO LUTERO, 1517
Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do reverendo padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela localidade, por esta razão, ele solicita que os que não puderem estar presentes e debater conosco oralmente o façam por escrito, mesmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
1 Ao dizer: “Fazei penitência”, etc [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.
2 Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).
3 No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não produzisse toda sorte de modificação da carne.
4 Por conseqüência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.
5 O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.
6 O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.
7 Deus não perdoa culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
8 Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
9 Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.
10 Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
11 Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.
12 antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação de verdadeira contrição.
13 Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
14 Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto for o amor.
15 Este temor e horror por si sós, já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.
16 Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semi-desespero e a segurança.
17 Parece desnecessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.
18 Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.
19 Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.
20 Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
21 Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.
22 Com efeito, ele dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, eles deveriam ter pago nesta vida.
23 Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
24 Por isso, a maior do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
25 O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.
26 O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.
27 pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].
28 Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.
29 E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.
30 Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.
31 Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
32 Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
33 Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.
34 Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
35 Não pregam cristamente os que ensinam não ser necessária à contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves confessionais.
36 Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.
37 Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
38 Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem se desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.
39 Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante o povo ao tempo, a liberdade das indulgências e a verdadeira contrição.
40 A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.
41 Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.
42 Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.
43 Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
44 Ocorre que através da obra de amor cresce o ao amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas livre da pena.
45 Deve-se ensinar aos cristãos que vê um carente e o negligência para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências dói papa, mas ira de Deus.
46 Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conversar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
47 Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
48 Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar
49 Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
50 Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferia reduzir a cinzas a basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51 Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto – como é seu dever – a dar seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
52 Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
53 São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
54 Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que ela.
55 A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
56 Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
57 É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
58 Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno humano exterior.
59 São Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.
60 É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.
61 Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa do papa por si só é suficiente.
62 O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
63 Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos.
64 Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais bnenquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros.
65 Por esta razão, os tesouros dos Evangelhos são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.
66 Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
67 As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.
68 Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.
69 Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.
70 Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com os ambos ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa.
71 Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
72 Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.
73 Assim como o papa, com razão, fulminar aqueles que, qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências.
74 Muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.
75 A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.
76 Afirmamos, pelo contrário que as indulgências papais não podem anular o menor dos pecados vênias no que se refere à sua culpa.
77 A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.
78 Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12.
79 É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.
80 terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.
81 Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas dos leigos.
82 Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?
83 Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos.
84 Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito?
85 Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais – de fato e por desuso já há muito revogados e mortos – ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?
86 Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
87 Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária?
88 Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
89 Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das lamas do o dinheiro, porque suspende as cartas e indulgências outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?
90 Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
91 Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.
92 Fora, pois com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: “Paz, paz!” sem que haja paz!
93 Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “Cruz! Cruz!” sem que haja cruz!
94 Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;
95 e, assim, a que confiem entrarão no céu antes através de muitas tributações do que pela segurança da paz.
1517 A.D.

Documento 2
Título: Declaração de Independência
Contexto Histórico: Revoluções do Atlântico (Emancipação Política das Treze Colônias)
Autor: Segundo Congresso Continental da Filadélfia
País: Treze Colônias (parte integrante ao Reino da Grã-Bretanha)
Ano: 1776

DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA
No Congresso, 4 de julho de 1776.

Declaração Unânime dos Treze Estados Unidos da América
Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a ouro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que lhe dão direito às leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação.
Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão à vida, a liberdade e a procura da felicidade.
Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade. Na realidade, a prudência recomenda que não se mudem os governos instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros; e, assim sendo, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo as formas a que se acostumaram. Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assistem-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiões para sua futura segurança. Tal tem sido o sofrimento paciente destas colônias e tal agora a necessidade que as forças a alterar os sistemas anteriores de governo. A história do atual Rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidas injúrias e usurpações, tendo todos por objetivo direto o estabelecimento da tirania absoluta sobre estes Estados. Para prová-lo, permitam-nos submeter os fatos a um mundo cândido. Recusou assentimento a leis das mais salutares e necessárias ao bem público.
Proibiu aos governadores a promulgação de leis de importância imediata e urgente, a menos que a aplicação fosse suspensa até que se obtivesse o seu assentimento, e, uma vez suspensas, deixou inteiramente de dispensa-lhes atenção.
Recusou promulgar outras leis para o bem-estar de grandes distritos de povo, a menos que abandonassem o direito de representação no legislativo, direito inestimável para eles e temível apenas para os tiranos.
Convocou os corpos legislativos a lugares não usuais, sem conforto e distantes dos locais em que se encontram os arquivos públicos, com o único fito de arrancar-lhes, pela fadiga, o assentimento às medidas que lhe conviessem.
Dissolveu Câmaras de Representantes repetidamente porque se opunham com máscula firmeza às invasões dos direitos do povo.
Recusou por muito tempo, depois de tais dissoluções, fazer com que outros fossem eleitos; em virtude do que os poderes legislativos incapazes de aniquilação voltaram ao povo em geral para que os exercesse; ficando durante esse tempo o Estado exposto a todos os perigos de invasão externa ou convulsão interna.
Procurou impedir o povoamento destes estados, obstruindo para esse fim as leis de naturalização de estrangeiros, recusando promulgar outras que animassem as migrações para cá e complicando as condições para novas apropriações de terras.
Dificultou a administração da justiça pela recusa de assentimento a leis que estabeleciam poderes judiciários.
Tornou os juízes dependentes apenas da vontade dele para gozo do cargo e valor e pagamento dos respectivos salários.
Criou uma multidão de novos cargos e para eles enviou enxames de funcionários para perseguir o povo e devorar-nos a substância. Manteve entre nós, em tempo de paz, exércitos permanentes sem o consentimento dos nossos corpos legislativos.
Tentou tornar o militar independente do poder civil e a ele superior. Combinou com outros sujeitar-nos a uma jurisdição estranha a nossa Constituição e não reconhecida pelas nossas leis, dando assentimento aos seus atos de pretensa legislação:
a-Para aquartelar grandes corpos de tropas entre nós;
b-Para protegê-las por meio de julgamentos simulados, de punição por assassinatos que viessem a cometer contra os habitantes destes estados;
c-Para fazer cessar o nosso comércio com todas as partes do mundo;
d-Por lançar impostos sem nosso consentimento;
e-Por privar-nos, em muitos casos, dos benefícios do julgamento pelo júri;
f-Por transportar-nos por mar para julgamento por pretensas ofensas;
d-Por abolir o sistema livre de leis inglesas em província vizinha, aí estabelecendo governo arbitrário e ampliando-lhe os limites, de sorte a torná-lo, de imediato, exemplo e instrumento apropriado para a introdução do mesmo domínio absoluto nestas colônias;
g-Por tirar-nos nossas cartas, abolindo as nossas leis mais valiosas e alterando fundamentalmente a forma do nosso governo;
h-Por suspender os nossos corpos legislativos, declarando-se investido do poder de legislar para nós em todos e quaisquer casos.
Abdicou do governo aqui por declarar-nos fora de sua proteção e fazendo-nos guerra.
Saqueou os nossos mares, devastou as nossas costas, incendiou as nossas cidades e destruiu a vida do nosso povo.
Está, agora mesmo, a transportar grandes exércitos de mercenários estrangeiros para completar a obra de morte, desolação e tirania, já iniciada em circunstâncias de crueldade e perfídia raramente igualadas nas idades mais bárbaras e totalmente indignas do chefe de uma nação civilizada.
Obrigou os nossos concidadãos aprisionados no mar alto a tomarem armas contra a própria pátria, para que se tornassem algozes dos amigos e irmãos ou para que caíssem em suas mãos.
Provocou insurreições internas entre nós e procurou trazer contra os habitantes das fronteiras os índios selvagens e impiedosos, cuja regra sabida de guerra é a destruição sem distinção de idade, sexo e condições. Em cada fase dessas opressões solicitamos reparação nos termos mais humildes; responderam a nossas petições apenas com repetido agravo. Um príncipe cujo caráter se assinala deste modo por todos os atos capazes de definir um tirano não está em condições de governar um povo livre. Tão-pouco deixamos de chamar a atenção de nossos irmãos britânicos. De tempos em tempos, os advertimos sobre as tentativas do Legislativo deles de estender sobre nós uma insustentável. Lembramos-lhes das circunstâncias de nossa migração e estabelecimento aqui. Apelamos para a justiça natural e para a magnanimidade, e conjuramo-los, pelos laços de nosso parentesco comum, a repudiarem essas usurpações que interromperiam, inevitavelmente, nossas ligações e a nossa correspondência. Permaneceram também surdos à voz da justiça e da consanguinidade. Temos, portanto de aceitar a necessidade de denunciar nossa separação e considerá-los, como consideramos o restante dos homens, inimigos na guerra e amigos na paz.
Nós, por conseguinte, representantes dos ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, reunidos em CONGRESSO GERAL, apelando para o Juiz Supremo do mundo pela retidão das nossas intenções, em nome e por autoridade do bom povo destas colônias, publicamos e declaramos solenemente: que estas colônias unidas são e de direito têm de ser ESTADOS LIVRES E INDEPENDENTES; que estão desobrigados de qualquer vassalagem para com a Coroa Britânica, e que todo vínculo político entre elas e a Grã-Bretanha está e deve ficar totalmente dissolvidos; e que, como ESTADOS LIVRES E INDEPENDENTES, têm inteiro poder para declarar a guerra, concluir a paz, contrair alianças, estabelecer comércio e praticar todos os atos e ações a que têm direito os estados independentes. E em apoio desta declaração, plenos de firme confiança na proteção da Divina Providência, emprenhamos mutuamente nossas vidas, nossas fortunas e nossa sagrada honra.

John Hancock.

New Hampshire
Josiah Bartlett
William Whipple
Matthew Thornton

Rhode Island
Step. Hopkins
William Ellery

Connecticut
Roger Sherman
Sam'el Huntington
Wm. Williams
Oliver Wolcott

New York
Wm. Floyd
Phil. Livingston
Frans. Lewis
Lewis Morris
New Jersey
Richd. Stockton
Jno. Witherspoon
Fras. Hopkinson
John Hart
Abra. Clark

Pensilvânia
Robt. Morris
Benjamin Rush
Benj. Frankllin
John Morton
Geo. Clymer
Jas. Smith
Geo. TaylorJames Wilson
George Ross
Maryland
Samuel Chase
Wm. Paca
Thos. Stone
Charles Carroll of Carrollton

Virgínia
George Wythe
Richard Henry Lee
Th. Jefferson
Benj. Hanrrison
Ths. Nelson, Jr.
Francis Lightfoot Lee
Carter Braxton

Carolina do Norte
Wm. Hooper
Joseph Hewes
John Penn

Carolina do Sul
Edward Rutledge
Thos Heyward, junr.
Thomas Lynch, junr.
Arthur Middletown

Georgia
Button Gwinnett
Lyman Hall
George Walton

Documento 3
Título: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
Contexto Histórico: Revoluções do Atlântico (Revolução Francesa)
Autor: Assembleia Nacional Constituinte
País: França
Ano: 1789

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO
Os representantes do Povo Francês constituídos em Assembleia Nacional, considerando, que a ignorância o olvido e o menosprezo aos Direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolvem expor uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis, imprescritíveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente a todos os membros do corpo social, permaneça constantemente atenta a seus direitos e deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo possam ser a cada momento comparados com o objetivo de toda instituição política e no intuito de serem pôr ela respeitados; para que as reclamações dos cidadãos fundamentais daqui pôr diante em princípios simples e incontestáveis, venham a manter sempre a Constituição e o bem-estar de todos.
Em conseqüência, a Assembleia Nacional reconhece e declara em presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:
I Os homens nascem e ficam iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas na utilidade comum.
II O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis ao homem.
III O princípio de toda a Soberania reside essencialmente na Nação; nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane diretamente dela.
IV A liberdade consiste em poder fazer tudo quanto não incomode o próximo; assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem limites senão nos que asseguram o gozo destes direitos. Estes limites não podem ser determinados senão pela lei.
V A lei só tem direito de proibir as ações prejudiciais à sociedade. Tudo quanto não é proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordena.
VI A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou pôr seus representantes à sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer ela proteja , quer ela castigue. Todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, sendo igualmente admissíveis a todas as dignidades, colocações e empregos públicos, segundo suas virtudes e seus talentos.
VII Nenhum homem poder ser acusado, sentenciado, nem preso se não for nos casos determinados pela lei e segundo as formas que ela tem prescrito. O que solicitam, expedem, executam ou fazem executar ordens arbitrárias, devem ser castigados; mas todo cidadão chamado ou preso em virtude da lei devem obedecer no mesmo instante; torna-se culpado pela resistência.
VIII A lei não deve estabelecer senão penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.
IX Todo homem sendo julgado inocente até quando for declarado culpado, se é julgado indispensável detê-lo, qualquer rigor que não seja necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente proibido pôr lei.
X Ninguém pode ser incomodado pôr causa das suas opiniões, mesmo religiosas, contanto que não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei.
XI A livre comunicação de pensamentos e opinião é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode pois falar, escrever, imprimir livremente, salvo quando tiver que responder do abuso dessa liberdade nos casos previstos pela lei.
XII A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita da força pública; esta força é instituída pela vantagem de todos e não para a utilidade particular daqueles aos quais foi confiada.
XIII Para o sustento da força pública e para as despesas da administração, uma contribuição comum é indispensável. Ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos em razão das suas faculdades.
XIV Cada cidadão tem o direito de constatar pôr ele mesmo ou pôr seus representantes a necessidade de contribuição pública, de consenti-la livremente, de acompanhar o seu emprego, de determinar a cota, a estabilidade, a cobrança e o tempo.
XV A sociedade tem o direito de exigir contas a qualquer agente público de sua administração.
XVI Qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição.
XVII Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente reconhecida, o exige evidentemente e sob a condição de uma justa e anterior indenização.

Documento 4
Título: Carta do Cacique Sealth
Contexto Histórico: Conquista e Consolidação Territorial Estadunidense
Autor: Chefe Sealth
País: Estados Unidos da América
Ano: 1854

O NOSSO IMENSO AMOR PELA NATUREZA
Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra da floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo.
A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho. Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem – todos pertencem à mesma família.
Portanto quando o grande chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar a sua oferta de comprar a nossa terra. Mas isso não será fácil. Essa terra é sagrada para nós.
Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar e ensinar seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também.
E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue o seu caminho.
Deixa para traz os túmulos de seus antepassados e não se incomoda.
Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é selvagem e não compreenda.
Não há um lugar nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto.
Mas talvez porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite.
Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira.
Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém.
O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro.
Se lhe vendermos nossa terra vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa saborear o vento adoçado das flores dos prados. Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, peço uma condição: o homem branco deve tratar os animais dessa terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos apenas para permanecermos vivos.
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com seus irmãos.
Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos as nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence a terra.
Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.
O que ocorrer com a terra recaíra sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
Mesmo que o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos, e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso deus é o mesmo Deus. Vocês devem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra, mas não é possível.
Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador.
Os brancos também passarão, talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas e, uma noite, serão sufocados pelos próprios dejetos.
Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força de Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnada do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam.
Onde está o arvoredo? Desapareceu.
Onde está a águia? Desapareceu.
E este é o final da vida e o início da sobrevivência.

Documento 5
Título: Carta das Nações Unidas
Contexto Histórico: Período Pós-guerra
Autor: Organização das Nações Unidas (ONU)
País: *****
Ano: 1945

CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
Preâmbulo
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS,
praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS.
Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.

CAPÍTULO I
PROPÓSITOS E PRINCÍPIOS
Artigo 1
Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
Artigo 2
A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:
1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.
2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta.
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo.
6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.
7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.

CAPÍTULO II
DOS MEMBROS
Artigo 3
Os Membros originais das Nações Unidas serão os Estados que, tendo participado da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São Francisco, ou, tendo assinado previamente a Declaração das Nações Unidas,de 1 de janeiro de 1942, assinarem a presente Carta, e a ratificarem, de acordo com o Artigo 110.
Artigo 4
1. A admissão como Membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações. 
2. A admissão de qualquer desses Estados como Membros das Nações Unidas será efetuada por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Artigo 5
O Membro das Nações Unidas, contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Segurança, poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de Membro pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios poderá ser restabelecido pelo Conselho de Segurança.
Artigo 6
Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta, poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança.

CAPÍTULO III
ÓRGÃOS
Artigo 7
1. Ficam estabelecidos como órgãos principais das Nações Unidas: uma Assembleia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um conselho de Tutela, uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado. 
2. Serão estabelecidos, de acordo com a presente Carta, os órgãos subsidiários considerados de necessidade.
Artigo 8
As Nações Unidas não farão restrições quanto à elegibilidade de homens e mulheres destinados a participar em qualquer caráter e em condições de igualdade em seus órgãos principais e subsidiários.

CAPÍTULO IV
ASSEMBLEIA GERAL
Composição
Artigo 9
1. A Assembleia Geral será constituída por todos os Membros das Nações Unidas. 
2. Cada Membro não deverá ter mais de cinco representantes na Assembleia Geral. 
Funções e Atribuições
Artigo 10
A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e, com exceção do estipulado no Artigo 12, poderá fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles, conjuntamente, com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos.
Artigo 11
1. A Assembleia Geral poderá considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer recomendações relativas a tais princípios aos Membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles conjuntamente.
2. A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, que a ela forem submetidas por qualquer Membro das Nações Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja Membro das Nações Unidas, de acordo com o Artigo 35, parágrafo 2, e, com exceção do que fica estipulado no Artigo 12, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interessados, ou ao Conselho de Segurança ou a ambos. Qualquer destas questões, para cuja solução for necessária uma ação, será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembléia Geral, antes ou depois da discussão.
3. A Assembleia Geral poderá solicitar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.
4. As atribuições da Assembleia Geral enumeradas neste Artigo não limitarão a finalidade geral do Artigo 10.
Artigo 12
1. Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembleia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite.
2. O Secretário-Geral, com o consentimento do Conselho de Segurança, comunicará à Assembleia Geral, em cada sessão, quaisquer assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que estiverem sendo tratados pelo Conselho de Segurança, e da mesma maneira dará conhecimento de tais assuntos à Assembleia Geral, ou aos Membros das Nações Unidas se a Assembleia Geral não estiver em sessão, logo que o Conselho de Segurança terminar o exame dos referidos assuntos.
Artigo 13
1. A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a:
a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação;
b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
2. As demais responsabilidades, funções e atribuições da Assembleia Geral, em relação aos assuntos mencionados no parágrafo 1” (b) acima, estão enumeradas nos Capítulos IX e X.
Artigo 14
A Assembleia Geral, sujeita aos dispositivos do Artigo 12, poderá recomendar medidas para a solução pacífica de qualquer situação, qualquer que seja sua origem, que lhe pareça prejudicial ao bem-estar geral ou às relações amistosas entre as nações, inclusive em situações que resultem da violação dos dispositivos da presente Carta que estabelecem os Propósitos e Princípios das Nações Unidas.
Artigo 15
1. A Assembleia Geral receberá e examinará os relatórios anuais e especiais do Conselho de Segurança. Esses relatórios incluirão uma relação das medidas que o Conselho de Segurança tenha adotado ou aplicado a fim de manter a paz e a segurança internacionais.
2. A Assembleia Geral receberá e examinará os relatórios dos outros órgãos das Nações Unidas.
Artigo 16
A Assembleia Geral desempenhará, com relação ao sistema internacional de tutela, as funções a ela atribuídas nos Capítulos XII e XIII, inclusive a aprovação de acordos de tutela referentes às zonas não designadas como estratégias.
Artigo 17
1. A Assembleia Geral considerará e aprovará o orçamento da organização.
2. As despesas da Organização serão custeadas pelos Membros, segundo cotas fixadas pela Assembléia Geral.
3. A Assembleia Geral considerará e aprovará quaisquer ajustes financeiros e orçamentários com as entidades especializadas, a que se refere o Artigo 57 e examinará os orçamentos administrativos de tais instituições especializadas com o fim de lhes fazer recomendações.

Votação
Artigo 18
1. Cada Membro da Assembleia Geral terá um voto.
2. As decisões da Assembleia Geral, em questões importantes, serão tomadas por maioria de dois terços dos Membros presentes e votantes. Essas questões compreenderão: recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais; à eleição dos Membros não permanentes do Conselho de Segurança; à eleição dos Membros do Conselho Econômico e Social; à eleição dos Membros dos Conselho de Tutela, de acordo como parágrafo 1 (c) do Artigo 86; à admissão de novos Membros das Nações Unidas; à suspensão dos direitos e privilégios de Membros; à expulsão dos Membros; questões referentes o funcionamento do sistema de tutela e questões orçamentárias.
3. As decisões sobre outras questões, inclusive a determinação de categoria adicionais de assuntos a serem debatidos por uma maioria dos membros presentes e que votem.
Artigo 19
O Membro das Nações Unidas que estiver em atraso no pagamento de sua contribuição financeira à Organização não terá voto na Assembleia Geral, se o total de suas contribuições atrasadas igualar ou exceder a soma das contribuições correspondentes aos dois anos anteriores completos. A Assembleia Geral poderá entretanto, permitir que o referido Membro vote, se ficar provado que a falta de pagamento é devida a condições independentes de sua vontade.
Processo
Artigo 20
A Assembleia Geral reunir-se-á em sessões anuais regulares e em sessões especiais exigidas pelas circunstâncias. As sessões especiais serão convocadas pelo Secretário-Geral, a pedido do Conselho de Segurança ou da maioria dos Membros das Nações Unidas.
Artigo 21
A Assembleia Geral adotará suas regras de processo e elegerá seu presidente para cada sessão.
Artigo 22
A Assembleia Geral poderá estabelecer os órgãos subsidiários que julgar necessários ao desempenho de suas funções.

CAPITULO V
CONSELHO DE SEGURANÇA
Composição
Artigo 23
1. O Conselho de Segurança será composto de quinze Membros das Nações Unidas. A República da China, a França, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América serão membros permanentes do Conselho de Segurança. A Assembleia Geral elegerá dez outros Membros das Nações Unidas para Membros não permanentes do Conselho de Segurança, tendo especialmente em vista, em primeiro lugar, a contribuição dos Membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização e também a distribuição geográfica equitativa.
2. Os membros não permanentes do Conselho de Segurança serão eleitos por um período de dois anos. Na primeira eleição dos Membros não permanentes do Conselho de Segurança, que se celebre depois de haver-se aumentado de onze para quinze o número de membros do Conselho de Segurança, dois dos quatro membros novos serão eleitos por um período de um ano. Nenhum membro que termine seu mandato poderá ser reeleito para o período imediato.
3. Cada Membro do Conselho de Segurança terá um representante.

Funções Atribuições
Artigo 24
1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles.
2. No cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. As atribuições específicas do Conselho de Segurança para o cumprimento desses deveres estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VIII e XII.
3. O Conselho de Segurança submeterá relatórios anuais e, quando necessário, especiais à Assembleia Geral para sua consideração.
Artigo 25
Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta.
Artigo 26
A fim de promover o estabelecimento e a manutenção da paz e da segurança internacionais, desviando para armamentos o menos possível dos recursos humanos e econômicos do mundo, o Conselho de Segurança terá o encargo de formular, com a assistência da Comissão de Estado-Maior, a que se refere o Artigo 47, os planos a serem submetidos aos Membros das Nações Unidas, para o estabelecimento de um sistema de regulamentação dos armamentos.

Votação
Artigo 27
1. Cada Membro do Conselho de Segurança terá um voto.
2. As decisões do conselho de Segurança, em questões processuais, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove Membros.
3. As decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes, ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for parte em uma controvérsia se absterá de votar.

Processo
Artigo 28
1. O Conselho de Segurança será organizado de maneira que possa funcionar continuamente. Cada Membro do Conselho de Segurança será, para tal fim, em todos os momentos, representado na sede da Organização.
2. O Conselho de Segurança terá reuniões periódicas, nas quais cada um de seus membros poderá, se assim o desejar, ser representado por um membro do governo ou por outro representante especialmente designado.
3. O Conselho de Segurança poderá reunir-se em outros lugares, fora da sede da Organização, e que, a seu juízo, possam facilitar o seu trabalho.
Artigo 29
O Conselho de Segurança poderá estabelecer órgãos subsidiários que julgar necessários para o desempenho de suas funções.
Artigo 30
O Conselho de Segurança adotará seu próprio regulamento interno, que incluirá o método de escolha de seu Presidente.
Artigo 31
Qualquer membro das Nações Unidas, que não for membro do Conselho de Segurança, poderá participar, sem direito a voto, na discussão de qualquer questão submetida ao Conselho de Segurança, sempre que este considere que os interesses do referido Membro estão especialmente em jogo.
Artigo 32
Qualquer Membro das Nações Unidas que não for Membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não for Membro das Nações Unidas será convidado, desde que seja parte em uma controvérsia submetida ao Conselho de Segurança,a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia. O Conselho de Segurança determinará as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não for Membro das Nações Unidas.

CAPÍTULO VI
SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS
Artigo 33
1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.
2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.
Artigo 34
O Conselho de Segurança poderá investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia, a fim de determinar se a continuação de tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais.
Artigo 35
1. Qualquer Membro das Nações Unidas poderá solicitar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia, ou qualquer situação, da natureza das que se acham previstas no Artigo 34.
2. Um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá solicitar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia em que seja parte, uma vez que aceite, previamente, em relação a essa controvérsia, as obrigações de solução pacífica previstas na presente Carta.
3. Os atos da Assembleia Geral, a respeito dos assuntos submetidos à sua atenção, de acordo com este Artigo, serão sujeitos aos dispositivos dos Artigos 11 e 12.
Artigo 36
1. O conselho de Segurança poderá, em qualquer fase de uma controvérsia da natureza a que se refere o Artigo 33, ou de uma situação de natureza semelhante, recomendar procedimentos ou métodos de solução apropriados.
2. O Conselho de Segurança deverá tomar em consideração quaisquer procedimentos para a solução de uma controvérsia que já tenham sido adotados pelas partes.
3. Ao fazer recomendações, de acordo com este Artigo, o Conselho de Segurança deverá tomar em consideração que as controvérsias de caráter jurídico devem, em regra geral, ser submetidas pelas partes à Corte Internacional de Justiça, de acordo com os dispositivos do Estatuto da Corte.
Artigo 37
1. No caso em que as partes em controvérsia da natureza a que se refere o Artigo 33 não conseguirem resolvê-la pelos meios indicados no mesmo Artigo, deverão submetê-la ao Conselho de Segurança.
2. O Conselho de Segurança, caso julgue que a continuação dessa controvérsia poderá realmente constituir uma ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais, decidirá sobre a conveniência de agir de acordo com o Artigo 36 ou recomendar as condições que lhe parecerem apropriadas à sua solução.
Artigo 38
Em prejuízo dos dispositivos dos Artigos 33 a 37, o Conselho de Segurança poderá, se todas as partes em uma controvérsia assim o solicitarem, fazer recomendações às partes, tendo em vista uma solução pacífica da controvérsia.

CAPÍTULO VII
AÇÃO RELATIVA A AMEAÇAS A PAZ, RUPTURA DA PAZ E ATOS DE AGRESSÃO
Artigo 39
O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
Artigo 40
A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes de fazer as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no Artigo 39, convidar as partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões, nem a situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança tomará devida nota do não cumprimento dessas medidas.
Artigo 41
Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas.
Artigo 42
O caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas.
Artigo 43
1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais.
2. Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da assistência a serem proporcionadas.
3. O acordo ou acordos serão negociados o mais cedo possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão concluídos entre o Conselho de Segurança e Membros da Organização ou entre o Conselho de Segurança e grupos de Membros e submetidos à ratificação, pelos Estados signatários, de conformidade com seus respectivos processos constitucionais.
Artigo 44
Quando o Conselho de Segurança decidir o emprego de força, deverá, antes de solicitar a um Membro nele não representado o fornecimento de forças armadas em cumprimento das obrigações assumidas em virtude do Artigo 43, convidar o referido Membro, se este assim o desejar, a participar das decisões do Conselho de Segurança relativas ao emprego de contingentes das forças armadas do dito Membro.
Artigo 45
A fim de habilitar as Nações Unidas a tomarem medidas militares urgentes, os Membros das Nações Unidas deverão manter, imediatamente utilizáveis, contingentes das forças aéreas nacionais para a execução combinada de uma ação coercitiva internacional. A potência e o grau de preparação desses contingentes, como os planos de ação combinada, serão determinados pelo Conselho de Segurança com a assistência da Comissão de Estado-Maior, dentro dos limites estabelecidos no acordo ou acordos especiais a que se refere o Artigo 43.
Artigo 46
O Conselho de Segurança, com a assistência da Comissão de Estado-maior, fará planos para a aplicação das forças armadas.
Artigo 47
1. Será estabelecia uma Comissão de Estado Maior destinada a orientar e assistir o Conselho de Segurança, em todas as questões relativas às exigências militares do mesmo Conselho, para manutenção da paz e da segurança internacionais, utilização e comando das forças colocadas à sua disposição, regulamentação de armamentos e possível desarmamento.
2. A Comissão de Estado Maior será composta dos Chefes de Estado Maior dos Membros Permanentes do Conselho de Segurança ou de seus representantes. Todo Membro das Nações Unidas que não estiver permanentemente representado na Comissão será por esta convidado a tomar parte nos seus trabalhos, sempre que a sua participação for necessária ao eficiente cumprimento das responsabilidades da Comissão.
3. A Comissão de Estado Maior será responsável, sob a autoridade do Conselho de Segurança, pela direção estratégica de todas as forças armadas postas à disposição do dito Conselho. As questões relativas ao comando dessas forças serão resolvidas ulteriormente.
4. A Comissão de Estado Maior, com autorização do Conselho de Segurança e depois de consultar os organismos regionais adequados, poderá estabelecer sob-comissões regionais.
Artigo 48
1. A ação necessária ao cumprimento das decisões do Conselho de Segurança para manutenção da paz e da segurança internacionais será levada a efeito por todos os Membros das Nações Unidas ou por alguns deles, conforme seja determinado pelo Conselho de Segurança.
2 Essas decisões serão executas pelos Membros das Nações Unidas diretamente e, por seu intermédio, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte.
Artigo 49
Os Membros das Nações Unidas prestar-se-ão assistência mútua para a execução das medidas determinadas pelo Conselho de Segurança.
Artigo 50
No caso de serem tomadas medidas preventivas ou coercitivas contra um Estado pelo Conselho de Segurança, qualquer outro Estado, Membro ou não das Nações unidas, que se sinta em presença de problemas especiais de natureza econômica, resultantes da execução daquelas medidas, terá o direito de consultar o Conselho de Segurança a respeito da solução de tais problemas.
Artigo 51
Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado às medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

CAPÍTULO VIII
ACORDOS REGIONAIS
Artigo 52
1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas.
2. Os Membros das Nações Unidas, que forem parte em tais acordos ou que constituírem tais entidades, empregarão todo os esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e entidades regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança.
3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da solução pacífica de controvérsias locais mediante os referidos acordos ou entidades regionais, por iniciativa dos Estados interessados ou a instância do próprio Conselho de Segurança.
4. Este Artigo não prejudica, de modo algum, a aplicação dos Artigos 34 e 35.
Artigo 53
1. O Conselho de Segurança utilizará, quando for o caso, tais acordos e entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no entanto, levada a efeito de conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho de Segurança, com exceção das medidas contra um Estado inimigo como está definido no parágrafo 2 deste Artigo, que forem determinadas em consequência do Artigo 107 ou em acordos regionais destinados a impedir a renovação de uma política agressiva por parte de qualquer desses Estados, até o momento em que a Organização possa, a pedido dos Governos interessados, ser incumbida de impedir toda nova agressão por parte de tal Estado.
2. O termo Estado inimigo, usado no parágrafo 1 deste Artigo, aplica-se a qualquer Estado que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi inimigo de qualquer signatário da presente Carta.
Artigo 54
O Conselho de Segurança será sempre informado de toda ação empreendida ou projetada de conformidade com os acordos ou entidades regionais para manutenção da paz e da segurança internacionais.

CAPÍTULO IX
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ECONÔMICA E SOCIAL
Artigo 55
Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião.
Artigo 56
Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.
Artigo 57
1. As várias entidades especializadas, criadas por acordos intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos, serão vinculadas às Nações Unidas, de conformidade com as disposições do Artigo 63.
2. Tais entidades assim vinculadas às Nações Unidas serão designadas, daqui por diante, como entidades especializadas.
Artigo 58
A Organização fará recomendação para coordenação dos programas e atividades das entidades especializadas.
Artigo 59
A Organização, quando julgar conveniente, iniciará negociações entre os Estados interessados para a criação de novas entidades especializadas que forem necessárias ao cumprimento dos propósitos enumerados no Artigo 55.
Artigo 60
A Assembleia Geral e, sob sua autoridade, o Conselho Econômico e Social, que dispões, para esse efeito, da competência que lhe é atribuída no Capítulo X, são incumbidos de exercer as funções da Organização estipuladas no presente Capítulo.

CAPÍTULO X
CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL
Composição
Artigo 61
1. O Conselho Econômico e Social será composto de cinquenta e quatro Membros das Nações Unidas eleitos pela Assembleia Geral.
2 De acordo com os dispositivos do parágrafo 3, dezoito Membros do Conselho Econômico e Social serão eleitos cada ano para um período de três anos, podendo, ao terminar esse prazo, ser reeleitos para o período seguinte.
3. Na primeira eleição a realizar-se depois de elevado de vinte e sete para cinquenta e quatro o número de Membros do Conselho Econômico e Social, além dos Membros que forem eleitos para substituir os nove Membros, cujo mandato expira no fim desse ano, serão eleitos outros vinte e sete Membros. O mandato de nove destes vinte e sete Membros suplementares assim eleitos expirará no fim de um ano e o de nove outros no fim de dois anos, de acordo com o que for determinado pela Assembleia Geral.
4. Cada Membro do Conselho Econômico e Social terá nele um representante.

Funções Atribuições
Artigo 62
1. O Conselho Econômico e Social fará ou iniciará estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos e poderá fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembleia Geral, aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas.
2. Poderá, igualmente, fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos.
3. Poderá preparar projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral, sobre assuntos de sua competência.
4. Poderá convocar, de acordo com as regras estipuladas pelas Nações Unidas, conferências internacionais sobre assuntos de sua competência.
Artigo 63
1. O Conselho Econômico e Social poderá estabelecer acordos com qualquer das entidades a que se refere o Artigo 57, a fim de determinar as condições em que a entidade interessada será vinculada às Nações Unidas. Tais acordos serão submetidos à aprovação da Assembleia Geral.
2. Poderá coordenar as atividades das entidades especializadas, por meio de consultas e recomendações às mesmas e de recomendações à Assembleia Geral e aos Membros das Nações Unidas.
Artigo 64
1. O Conselho Econômico e Social poderá tomar as medidas adequadas a fim de obter relatórios regulares das entidades especializadas. Poderá entrar em entendimentos com os Membros das Nações Unidas e com as entidades especializadas, a fim de obter relatórios sobre as medidas tomadas para cumprimento de suas próprias recomendações e das que forem feitas pelas Assembleia Geral sobre assuntos da competência do Conselho.
2. Poderá comunicar à Assembleia Geral suas observações a respeito desses relatórios.
Artigo 65
O Conselho Econômico e Social poderá fornecer informações ao Conselho de Segurança e, a pedido deste, prestar-lhe assistência.
Artigo 66
1. O Conselho Econômico e Social desempenhará as funções que forem de sua competência em relação ao cumprimento das recomendações da Assembleia Geral.
2. Poderá mediante aprovação da Assembleia Geral, prestar os serviços que lhe forem solicitados pelos Membros das Nações unidas e pelas entidades especializadas.
3. Desempenhará as demais funções específicas em outras partes da presente Carta ou as que forem atribuídas pela Assembleia Geral.
Votações
Artigo 67
1. Cada Membro do Conselho Econômico e Social terá um voto.
2. As decisões do Conselho Econômico e Social serão tomadas por maioria dos membros presentes e votantes.
Processo
Artigo 68
O Conselho Econômico e Social criará comissões para os assuntos econômicos e sociais e a proteção dos direitos humanos assim como outras comissões que forem necessárias para o desempenho de suas funções.
Artigo 69
O Conselho Econômico e Social poderá convidar qualquer Membro das Nações Unidas a tomar parte, sem voto, em suas deliberações sobre qualquer assunto que interesse particularmente a esse Membro.
Artigo 70
O Conselho Econômico e Social poderá entrar em entendimentos para que representantes das entidades especializadas tomem parte, sem voto, em suas deliberações e nas das comissões por ele criadas, e para que os seus próprios representantes tomem parte nas deliberações das entidades especializadas.
Artigo 71
O Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais, encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própria competência. Tais entendimentos poderão ser feitos com organizações internacionais e, quando for o caso, com organizações nacionais, depois de efetuadas consultas com o Membro das Nações Unidas no caso.
Artigo 72
1. O Conselho Econômico e Social adotará seu próprio regulamento, que incluirá o método de escolha de seu Presidente.
2. O Conselho Econômico e Social reunir-se-á quando for necessário, de acordo com o seu regulamento, o qual deverá incluir disposições referentes à convocação de reuniões a pedido da maioria dos Membros.

CAPÍTULO XI
DECLARAÇÃO RELATIVA A TERRITÓRIOS SEM GOVERNO PRÓPRIO
Artigo 73
Os Membros das Nações Unidas, que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a plena capacidade de se governarem a si mesmos, reconhecem o princípio de que os interesses dos habitantes desses territórios são da mais alta importância, e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios e, para tal fim, se obrigam a:
a) assegurar, com o devido respeito à cultura dos povos interessados, o seu progresso político, econômico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra todo abuso;
b) desenvolver sua capacidade de governo próprio, tomar devida nota das aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo de suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes e os diferentes graus de seu adiantamento;
c) consolidar a paz e a segurança internacionais;
d) promover medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar uns com os outros e, quando for o caso, com entidades internacionais especializadas, com vistas à realização prática dos propósitos de ordem social, econômica ou científica enumerados neste Artigo; e
e) transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro caráter técnico, relativas às condições econômicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os Capítulos XII e XIII da Carta.
Artigo 74
Os Membros das Nações Unidas concordam também em que a sua política com relação aos territórios a que se aplica o presente Capítulo deve ser baseada, do mesmo modo que a política seguida nos respectivos territórios metropolitanos, no princípio geral de boa vizinhança, tendo na devida conta os interesses e o bem-estar do resto do mundo no que se refere às questões sociais, econômicas e comerciais.

CAPÍTULO XII
SISTEMA INTERNACIONAL DE TUTELA
Artigo 75
As Nações Unidas estabelecerão sob sua autoridade um sistema internacional de tutela para a administração e fiscalização dos territórios que possam ser colocados sob tal sistema em conseqüência de futuros acordos individuais. Esses territórios serão, daqui em diante, mencionados como territórios tutelados.
Artigo 76
Os objetivos básicos do sistema de tutela, de acordo com os Propósitos das Nações Unidas enumerados no Artigo 1 da presente Carta serão:
a) favorecer a paz e a segurança internacionais;
b) fomentar o progresso político, econômico, social e educacional dos habitantes dos territórios tutelados e o seu desenvolvimento progressivo para alcançar governo próprio ou independência, como mais convenha às circunstâncias particulares de cada território e de seus habitantes e aos desejos livremente expressos dos povos interessados e como for previsto nos termos de cada acordo de tutela;
c) estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo língua ou religião e favorecer o reconhecimento da interdependência de todos os povos; e
d) assegurar igualdade de tratamento nos domínios social, econômico e comercial para todos os Membros das nações Unidas e seus nacionais e, para estes últimos, igual tratamento na administração da justiça, sem prejuízo dos objetivos acima expostos e sob reserva das disposições do Artigo 80.
Artigo 77
1. O sistema de tutela será aplicado aos territórios das categorias seguintes, que venham a ser colocados sob tal sistema por meio de acordos de tutela:
a) territórios atualmente sob mandato;
b) territórios que possam ser separados de Estados inimigos em consequência da Segunda Guerra Mundial; e
c) territórios voluntariamente colocados sob tal sistema por Estados responsáveis pela sua administração.
2. Será objeto de acordo ulterior a determinação dos territórios das categorias acima mencionadas a serem colocados sob o sistema de tutela e das condições em que o serão.
Artigo 78
O sistema de tutela não será aplicado a territórios que se tenham tornado Membros das Nações Unidas, cujas relações mútuas deverão basear-se no respeito ao princípio da igualdade soberana.
Artigo 79
As condições de tutela em que cada território será colocado sob este sistema, bem como qualquer alteração ou emenda, serão determinadas por acordo entre os Estados diretamente interessados, inclusive a potência mandatária no caso de território sob mandato de um Membro das Nações Unidas e serão aprovadas de conformidade com as disposições dos Artigos 83 e 85.
Artigo 80
1. Salvo o que for estabelecido em acordos individuais de tutela, feitos de conformidade com os Artigos 77, 79 e 81, pelos quais se coloque cada território sob este sistema e até que tais acordos tenham sido concluídos, nada neste Capítulo será interpretado como alteração de qualquer espécie nos direitos de qualquer Estado ou povo ou dos termos dos atos internacionais vigentes em que os Membros das Nações Unidas forem partes.
2. O parágrafo 1 deste Artigo não será interpretado como motivo para demora ou adiamento da negociação e conclusão de acordos destinados a colocar territórios dentro do sistema de tutela, conforme as disposições do Artigo 77.
Artigo 81
O acordo de tutela deverá, em cada caso, incluir as condições sob as quais o território tutelado será administrado e designar a autoridade que exercerá essa administração. Tal autoridade, daqui por diante chamada a autoridade administradora, poderá ser um ou mais Estados ou a própria Organização.
Artigo 82
Poderão designar-se, em qualquer acordo de tutela, uma ou várias zonas estratégicas, que compreendam parte ou a totalidade do território tutelado a que o mesmo se aplique, sem prejuízo de qualquer acordo ou acordos especiais feitos de conformidade com o Artigo 43.
Artigo 83
1. Todas as funções atribuídas às Nações Unidas relativamente às zonas estratégicas, inclusive a aprovação das condições dos acordos de tutela, assim como de sua alteração ou emendas, serão exercidas pelo Conselho de Segurança. 
2. Os objetivos básicos enumerados no Artigo 76 serão aplicáveis aos habitantes de cada zona estratégica.
3. O Conselho de Segurança, ressalvadas as disposições dos acordos de tutela e sem prejuízo das exigências de segurança, poderá valer-se da assistência do Conselho de Tutela para desempenhar as funções que cabem às Nações Unidas pelo sistema de tutela, relativamente a matérias políticas, econômicas, sociais ou educacionais dentro das zonas estratégicas.
Artigo 84
A autoridade administradora terá o dever de assegurar que o território tutelado preste sua colaboração à manutenção da paz e da segurança internacionais. Para tal fim, a autoridade administradora poderá fazer uso de forças voluntárias, de facilidades e da ajuda do território tutelado para o desempenho das obrigações por ele assumidas a este respeito perante o Conselho de Segurança, assim como para a defesa local e para a manutenção da lei e da ordem dentro do território tutelado. 
Artigo 85
1. As funções das Nações Unidas relativas a acordos de tutela para todas as zonas não designadas como estratégias, inclusive a aprovação das condições dos acordos de tutela e de sua alteração ou emenda, serão exercidas pela Assembléia Geral.
2. O Conselho de Tutela, que funcionará sob a autoridade da Assembleia Geral, auxiliará esta no desempenho dessas atribuições.

CAPÍTULO XIII
CONSELHO DE TUTELA
Composição
Artigo 86
1. O Conselho de Tutela será composto dos seguintes Membros das Nações Unidas:
a) os Membros que administrem territórios tutelados;
b) aqueles dentre os Membros mencionados nominalmente no Artigo 23, que não estiverem administrando territórios tutelados; e
c) quantos outros Membros eleitos por um período de três anos, pela Assembleia Geral, sejam necessários para assegurar que o número total de Membros do Conselho de Tutela fique igualmente dividido entre os Membros das Nações Unidas que administrem territórios tutelados e aqueles que o não fazem.
2. Cada Membro do Conselho de Tutela designará uma pessoa especialmente qualificada para representá-lo perante o Conselho.
Funções e Atribuições Artigo 87
A Assembleia Geral e, sob a sua autoridade, o Conselho de Tutela, no desempenho de suas funções, poderão:
a) examinar os relatórios que lhes tenham sido submetidos pela autoridade administradora;
b) Aceitar petições e examiná-las, em consulta com a autoridade administradora;
c) providenciar sobrevisitas periódicas aos territórios tutelados em épocas ficadas de acordo com a autoridade administradora; e
d) tomar estas e outras medidas de conformidade com os termos dos acordos de tutela.
Artigo 88
O Conselho de Tutela formulará um questionário sobre o adiantamento político, econômico, social e educacional dos habitantes de cada território tutelado e a autoridade administradora de cada um destes territórios, dentro da competência da Assembleia Geral, fará um relatório anual à Assembleia, baseado no referido questionário.

Votação
Artigo 89
1. Cada Membro do Conselho de Tutela terá um voto.
2. As decisões do Conselho de Tutela serão tomadas por uma maioria dos membros presentes e votantes.

Processo
Artigo 90
1. O Conselho de Tutela adotará seu próprio regulamento que incluirá o método de escolha de seu Presidente.
2. O Conselho de Tutela reunir-se-á quando for necessário, de acordo com o seu regulamento, que incluirá uma disposição referente à convocação de reuniões a pedido da maioria dos seus membros.
Artigo 91
O Conselho de Tutela valer-se-á, quando for necessário,da colaboração do Conselho Econômico e Social e das entidades especializadas, a respeito das matérias em que estas e aquele sejam respectivamente interessados.

CAPÍTULO XIV
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
Artigo 92
A Corte Internacional de Justiça será o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Funcionará de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e faz parte integrante da presente Carta.
Artigo 93
1. Todos os Membros das Nações Unidas são ‘ipso facto’ partes do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
2. Um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá tornar-se parte no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em condições que serão determinadas, em cada caso, pela Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Artigo 94
1. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a conformar-se com a decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte.
2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.
Artigo 95
Nada na presente Carta impedirá os Membros das Nações Unidas de confiarem a solução de suas divergências a outros tribunais, em virtude de acordos já vigentes ou que possam ser concluídos no futuro.
Artigo 96
1. A Assembleia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, sobre qualquer questão de ordem jurídica. 
2. Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembleia Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades.

CAPÍTULO XV
O SECRETARIADO
Artigo 97
O Secretariado será composto de um Secretário-Geral e do pessoal exigido pela Organização. O Secretário-Geral será indicado pela Assembleia Geral mediante a recomendação do Conselho de Segurança. Será o principal funcionário administrativo da Organização.
Artigo 98
O Secretário-Geral atuará neste caráter em todas as reuniões da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela e desempenhará outras funções que lhe forem atribuídas por estes órgãos. O Secretário-Geral fará um relatório anual à Assembléia Geral sobre os trabalhos da Organização.
Artigo 99
O Secretário-Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais.
Artigo 100
1. No desempenho de seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do Secretariado não solicitarão nem receberão instruções de qualquer governo ou de qualquer autoridade estranha à organização. Abster-se-ão de qualquer ação que seja incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente perante a Organização.
2. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a respeitar o caráter exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do Secretariado e não procurará exercer qualquer influência sobre eles, no desempenho de suas funções.
Artigo 101
1. O pessoal do Secretariado será nomeado pelo Secretário Geral, de acordo com regras estabelecidas pela Assembleia Geral.
2. Será também nomeado, em caráter permanente, o pessoal adequado para o Conselho Econômico e Social, o conselho de Tutela e, quando for necessário, para outros órgãos das Nações Unidas. Esses funcionários farão parte do Secretariado.
3. A consideração principal que prevalecerá na escolha do pessoal e na determinação das condições de serviço será a da necessidade de assegurar o mais alto grau de eficiência, competência e integridade. Deverá ser levada na devida conta a importância de ser a escolha do pessoal feita dentro do mais amplo critério geográfico possível.

CAPÍTULO XVI
DISPOSIÇÕES DIVERSAS
Artigo 102
1. Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer Membro das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado.
2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de conformidade com as disposições do parágrafo 1º deste Artigo poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas.
Artigo 103
No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta.
Artigo 104
Organização gozará, no território de cada um de seus Membros, da capacidade jurídica necessária ao exercício de suas funções e à realização de seus propósitos. 
Artigo 105
1. A Organização gozará, no território de cada um de seus Membros, dos privilégios e imunidades necessários à realização de seus propósitos.
2. Os representantes dos Membros das Nações Unidas e os funcionários da Organização gozarão, igualmente, dos privilégios e imunidades necessários ao exercício independente de suas funções relacionadas com a Organização.
3. A Assembleia Geral poderá fazer recomendações com o fim de determinar os pormenores da aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo ou poderá propor aos Membros das Nações Unidas convenções nesse sentido.

CAPÍTULO XVII
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS SOBRE SEGURANÇA
Artigo 106
Antes da entrada em vigor dos acordos especiais a que se refere o Artigo 43, que, a juízo do Conselho de Segurança, o habilitem ao exercício de suas funções previstas no Artigo 42, as partes na Declaração das Quatro Nações, assinada em Moscou, a 30 de outubro de 1943, e a França, deverão, de acordo com as disposições do parágrafo 5 daquela Declaração, consultar-se entre si e, sempre que a ocasião o exija, com outros Membros das Nações Unidas a fim de ser levada a efeito, em nome da Organização, qualquer ação conjunta que se torne necessária à manutenção da paz e da segurança internacionais.
Artigo 107
Nada na presente Carta invalidará ou impedirá qualquer ação que, em relação a um Estado inimigo de qualquer dos signatários da presente Carta durante a Segunda Guerra Mundial, for levada a efeito ou autorizada em conseqüência da dita guerra, pelos governos responsáveis por tal ação.

CAPÍTULO XVIII
EMENDAS
Artigo 108
As emendas à presente Carta entrarão em vigor para todos os Membros das Nações Unidas, quando forem adotadas pelos votos de dois terços dos membros da Assembleia Geral e ratificada de acordo com os seus respectivos métodos constitucionais por dois terços dos Membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do Conselho de Segurança.
Artigo 109
1. Uma Conferência Geral dos Membros das Nações Unidas, destinada a rever a presente Carta, poderá reunir-se em data e lugar a serem fixados pelo voto de dois terços dos membros da Assembleia Geral e de nove membros quaisquer do Conselho de Segurança. Cada Membro das Nações Unidas terá voto nessa Conferência.
2. Qualquer modificação à presente Carta, que for recomendada por dois terços dos votos da Conferência, terá efeito depois de ratificada, de acordo com os respectivos métodos constitucionais, por dois terços dos Membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do Conselho de Segurança.
3. Se essa Conferência não for celebrada antes da décima sessão anual da Assembléia Geral que se seguir à entrada em vigor da presente Carta, a proposta de sua convocação deverá figurar na agenda da referida sessão da Assembleia Geral, e a Conferência será realizada, se assim for decidido por maioria de votos dos membros da Assembléia Geral, e pelo voto de sete membros quaisquer do Conselho de Segurança.

CAPÍTULO XIX
RATIFICAÇÃO E ASSINATURA
Artigo 110
1. A presente Carta deverá ser ratificada pelos Estados signatários, de acordo com os respectivos métodos constitucionais.
2. As ratificações serão depositadas junto ao Governo dos Estados Unidos da América, que notificará de cada depósito todos os Estados signatários, assim como o Secretário-Geral da Organização depois que este for escolhido.
3. A presente Carta entrará em vigor depois do depósito de ratificações pela República da China, França, união das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América e ela maioria dos outros Estados signatários. O Governo dos Estados Unidos da América organizará, em seguida, um protocolo das ratificações depositadas, o qual será comunicado, por meio de cópias, aos Estados signatários.
4. Os Estados signatários da presente Carta, que a ratificarem depois de sua entrada em vigor tornar-se-ão membros fundadores das Nações Unidas, na data do depósito de suas respectivas ratificações.
Artigo 111
A presente Carta, cujos textos em chinês, francês, russo, inglês, e espanhol fazem igualmente fé, ficará depositada nos arquivos do Governo dos Estados Unidos da América. Cópias da mesma, devidamente autenticadas, serão transmitidas por este último Governo aos dos outros Estados signatários.
EM FÉ DO QUE, os representantes dos Governos das Nações Unidas assinaram a presente Carta.
FEITA na cidade de São Francisco, aos vinte e seis dias do mês de junho de mil novecentos e quarenta e cinco.

Documento 6
Título: Declaração dos Direitos Humanos
Contexto Histórico: Período Pós-guerra
Autor: Organização das Nações Unidas (ONU)
País: *****
Ano: 1948

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
PREÂMBULO
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto,
A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo I
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo II
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo III
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e reputação. Todo s er humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII
1. Todo ser huma no tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo XIV
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo XXIV
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.
Artigo XXVI
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo XXVIII
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Documento 7
Título: Convenção Sobre os Direitos Políticos da Mulher
Contexto Histórico: Período Pós-guerra
Autor: Organização das Nações Unidas (ONU)
País: *****
Ano: 1953

CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS POLÍTICOS DA MULHER
As Partes Contratantes,
Desejando pôr em execução o princípio da igualdade de direitos dos homens e das mulheres, contido na Carta das Nações Unidas,
Reconhecendo que toda pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos assuntos públicos de seu país, seja diretamente, seja por intermédio de representantes livremente escolhidos, ter acesso em condições de igualdade às funções públicas de seu país e desejando conceder a homens e mulheres igualdade no gozo e exercício dos direitos políticos, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com as disposições da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Tendo decidido concluir uma Convenção com essa finalidade, estipularam as condições seguintes: 
Artigo 1
As mulheres terão, em igualdade de condições com os homens, o direito de voto em todas as eleições, sem nenhuma restrição.
Artigo 2
As mulheres serão, em condições de igualdade com os homens, elegíveis para todos os organismos públicos de eleição, constituídos em virtude da legislação nacional, sem nenhuma restrição.
Artigo 3
As mulheres terão, em condições de igualdade o mesmo direito que os homens de ocupar todos os postos públicos e de exercer todas as funções públicas estabelecidas em virtude da legislação, nacional sem nenhuma restrição.
Artigo 4
1. A presente Convenção será aberta à assinatura de todos os Estados-Membros da Organização das Nações Unidas e de outro Estado ao qual a Assembléia Geral tenha endereçado convite para esse fim.
2. Esta Convenção será ratificada e os Instrumentos de ratificação serão depositados junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
Artigo 5
1. A presente Convenção será aberta à adesão de todos os Estados mencionados no parágrafo primeiro do artigo 4.
2. A adesão se fará pelo depósito de um instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
Artigo 6
1. A presente Convenção entrará em vigor noventa dias após a data do depósito do sexto Instrumento de ratificação ou de adesão.
2. Para cada um dos Estados que a ratificarem, ou que a ela aderirem após o depósito do sexto Instrumento de ratificação ou adesão, a presente Convenção entrará em vigor noventa dias após ter sido depositado o seu Instrumento de ratificação ou de adesão.
Artigo 7
Se, no momento da assinatura, da ratificação ou da adesão, um Estado formular uma reserva a um dos artigos da presente Convenção o Secretário-Geral comunicará o texto da reserva a todos os Estados que são ou vierem a ser partes desta Convenção. Qualquer Estado que não acertar a reserva poderá, dentro do prazo de noventa dias, a partir da data dessa comunicação, (ou da data em que passou a fazer parte da Convenção), notificar ao Secretário-Geral que não aceita a dita reserva. Neste caso a Convenção não vigorará entre esse Estado e o Estado que formulou a reserva.
Artigo 8
1. Todo Estado Contratante poderá denunciar a presente Convenção por uma notificação escrita, endereçada ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. Essa denúncia se tornará efetiva, um ano após a data em que o Secretário-Geral tenha recebido a notificação.
2. A presente Convenção cessará de vigorar a partir da data em que tenha se tornado efetiva a denúncia que reduz a menos de seis os Estados Contratantes.
Artigo 9
Toda controvérsia entre dois ou mais Estados Contratantes referente à interpretação ou aplicação da presente Convenção, que não tenha sido regulada por meio de negociação será levada, a pedido de uma das partes, à Corte Internacional de Justiça para que ela se pronuncie, a menos que as partes interessadas convencionem outro modo de solução.
Artigo 10
Todos os Estados-Membros mencionados no parágrafo primeiro do artigo 4 da presente Convenção serão notificados pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas a respeito:
a) das assinaturas apostas e dos Instrumentos de ratificação recebidos conforme o artigo 4;
b) dos Instrumentos de adesão recebidos conforme o artigo 5;
c) da data na qual a presente Convenção entra em vigor conforme o artigo 6;
d) das comunicações e notificações recebidas do acordo com o artigo 7;
e) das notificações de denúncia recebidas conforme as disposições do parágrafo primeiro do artigo 8;
f) da extinção resultante do parágrafo 2 do artigo 8. 
Artigo 11
1. A presente Convenção, cujos textos em inglês, chinês, espanhol, francês ou russo, farão igualmente fé, será depositada nos arquivos da Organização das Nações Unidas. 
2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas providenciará a entrega de uma cópia autenticada a todos os Estados-Membros e aos Estados Não-Membros visados no parágrafo primeiro do artigo 4.
Em fé do que, os abaixo-assinados devidamente autorizados por seus respectivos Governos, assinaram a presente Convenção, aberta à assinatura em Nova York, a trinta e um de março de mil novecentos e cinquenta e três.

Documento 8
Título: Declaração dos Direitos da Criança
Contexto Histórico: Período Pós-guerra
Autor: Organização das Nações Unidas (ONU)
País: *****
Ano: 1959

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA
PREÂMBULO
VISTO que os povos das Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla, VISTO que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, VISTO que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento, VISTO que a necessidade de tal proteção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança, VISTO que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços,
ASSIM, A ASSEMBLEIA GERAL
PROCLAMA esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios:
PRINCÍPIO 1º
A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. 
Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.
PRINCÍPIO 2º
A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. 
Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.
PRINCÍPIO 3º
Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade.
PRINCÍPIO 4º
A criança gozará os benefícios da previdência social. 
Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais.
A criança terá direito a alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas.
PRINCÍPIO 5º
À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar.
PRINCÍPIO 6º
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão.
Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.
PRINCÍPIO 7º
A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.
Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.
A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
PRINCÍPIO 8º
A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro.
PRINCÍPIO 9º
A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma.
Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
PRINCÍPIO 10º
A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza.
Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.
Publicidade a ser dada à Declaração dos Direitos da Criança
A ASSEMBLEIA GERAL
CONSIDERANDO que a Declaração dos Direitos da Criança apela no sentido de que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e que as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconhecem os direitos ora enunciados e se empenhem por sua observância.
1-RECOMENDA aos Governos dos Estados membros, às agências especializadas interessadas e às organizações não-governamentais competentes que se dê a publicidade mais ampla possível ao texto desta Declaração;
2-SOLICITA ao Secretário Geral que esta Declaração seja amplamente divulgada e, para isto, se empreguem todos os meios à sua disposição para a publicação e a distribuição do seu texto em tantos idiomas quantos possíveis.

Documento 9
Título: Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares
Contexto Histórico: Período Pós-guerra
Autor: Organização das Nações Unidas (ONU)
País: *****
Ano: 1968

TRATADO SOBRE A NÃO-PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES
Os Estados signatários deste Tratado, designados a seguir como Partes do Tratado;
Considerando a devastação que uma guerra nuclear traria a toda a humanidade e, em consequência, a necessidade de empreender todos os esforços para afastar o risco de tal guerra e de tomar medidas para resguardar a segurança dos povos;
Convencidos de que a proliferação de armas nucleares aumentaria consideravelmente o risco de uma guerra nuclear;
De conformidade com as resoluções da Assembleia Geral que reclamam a conclusão de um acordo destinado a impedir maior disseminação de armas nucleares;
Comprometendo-se a cooperar para facilitar a aplicação de salvaguardas pela Agência Internacional de Energia Atômica sobre as atividades nucleares pacíficas;
Manifestando seu apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e a outros esforços destinados a promover a aplicação, no âmbito do sistema de salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica, do princípio de salvaguardar de modo efetivo o trânsito de materiais fonte e físseis especiais, por meio do emprego, em certos pontos estratégicos, de instrumentos e outras técnicas;
Afirmando o princípio de que os benefícios das aplicações pacíficas da tecnologia nuclear - inclusive quaisquer derivados tecnológicos que obtenham as potências nuclearmente armadas mediante o desenvolvimento de artefatos nucleares explosivos - devem ser postos, para fins pacíficos, à disposição de todas as Partes do Tratado, sejam elas Estados nuclearmente armados ou não;
Convencidos de que, na promoção deste princípio, todas as Partes têm o direito de participar no intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de contribuir, isoladamente ou em cooperação com outros Estados, para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos;
Declarando seu propósito de conseguir, no menor prazo possível, a cessação da corrida armamentista nuclear e de adotar medidas eficazes tendentes ao desarmamento nuclear;
Instando a cooperação de todos os Estados para a consecução desse objetivo;
Recordando a determinação expressa pelas Partes no preâmbulo do Tratado de 1963, que proíbe testes com armas nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sob a água, de procurar obter a cessação definitiva de todos os testes de armas nucleares e de prosseguir negociações com esse objetivo;
Desejando promover a diminuição da tensão internacional e o fortalecimento da confiança entre os Estados, de modo a facilitar a cessação da fabricação de armas nucleares, a liquidação de todos seus estoques existentes e a eliminação dos arsenais nacionais de armas nucleares e dos meios de seu lançamento, consoante um Tratado de Desarmamento Geral e Completo, sob eficaz e estrito controle internacional;
Recordando que, de acordo com a Carta das Nações Unidas, os Estados devem abster-se, em suas relações internacionais, da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou agir de qualquer outra maneira contrária aos Propósitos das Nações Unidas, e que o estabelecimento e a manutenção da paz e segurança internacionais devem ser promovidos com o menor desvio possível dos recursos humanos e econômicos mundiais para armamentos.
Convieram no seguinte:
Artigo I
Cada Estado nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não transferir, para qualquer recipiendário, armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, assim como o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos e, sob forma alguma assistir, encorajar ou induzir qualquer Estado não-nuclearmente armado a fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou obter controle sobre tais armas ou artefatos explosivos nucleares.
Artigo II
Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para a fabricação de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares.
Artigo III
1. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a aceitar salvaguardas - conforme estabelecidas em um acordo a ser negociado e celebrado com a Agência Internacional de Energia Atômica, de acordo com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica e com o sistema de salvaguardas da Agência - com a finalidade exclusiva de verificação do cumprimento das obrigações assumidas sob o presente Tratado, e com vistas a impedir que a energia nuclear destinada a fins pacíficos venha a ser desviada para armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. Os métodos de salvaguardas previstos neste Artigo serão aplicados em relação aos materiais fonte ou físseis especiais, tanto na fase de sua produção, quanto nas de processamento ou utilização, em qualquer instalação nuclear principal ou fora de tais instalações. As salvaguardas previstas neste Artigo serão aplicadas a todos os materiais fonte ou físseis especiais usados em todas as atividades nucleares pacíficas que tenham lugar no território de tal Estado, sob sua jurisdição, ou aquelas levadas a efeito sob seu controle, em qualquer outro local.
2. Cada Estado, Parte deste Tratado, compromete-se a não fornecer:
a) material fonte ou físsil especial, ou
b) equipamento ou material especialmente destinado ou preparado para o processamento, utilização ou produção de material físsil especial para qualquer Estado não-nuclearmente armado, para fins pacíficos, exceto quando o material fonte ou físsil especial esteja sujeito às salvaguardas previstas neste Artigo.
3. As salvaguardas exigidas por este Artigo serão implementadas de modo que se cumpra o disposto no Artigo IV deste Tratado e se evite entravar o desenvolvimento econômico e tecnológico das Partes ou a cooperação internacional no campo das atividades nucleares pacíficas, inclusive no tocante ao intercâmbio internacional de material nuclear e de equipamentos para o processamento, utilização ou produção de material nuclear para fins pacíficos, de conformidade com o disposto neste Artigo e com o princípio de salvaguardas enunciado no Preâmbulo deste Tratado.
4. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, deverá celebrar - isoladamente ou juntamente com outros Estados - acordos com a Agência Internacional de Energia Atômica, com a finalidade de cumprir o disposto neste Artigo, de conformidade com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica. A negociação de tais acordos deverá começar dentro de 180 (cento e oitenta) dias a partir do começo da vigência do Tratado. Para os Estados que depositarem seus instrumentos de ratificação ou de adesão após esse período de 180 (cento e oitenta) dias, a negociação de tais acordos deverá começar em data não posterior à do depósito daqueles instrumentos. Tais acordos entrarão em vigor em data não posterior a 18 (dezoito) meses depois da data do início das negociações.
Artigo IV
1. Nenhuma disposição deste Tratado será interpretada como afetando o direito inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, e de conformidade com os Artigos I e II deste Tratado.
2. Todas as Partes deste Tratado comprometem-se a facilitar o mais amplo intercâmbio possível de equipamento, materiais e informação científica e tecnológica sobre a utilização pacífica da energia nuclear e dele têm o direito de participar. As Partes do Tratado em condições de o fazerem deverão também cooperar - isoladamente ou juntamente com outros Estados ou Organizações Internacionais - com vistas a contribuir para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos, especialmente nos territórios dos Estados não-nuclearmente armados, Partes do Tratado, com a devida consideração pelas necessidades das regiões do mundo em desenvolvimento.
Artigo V
Cada Parte deste Tratado compromete-se a tomar as medidas apropriadas para assegurar que, de acordo com este Tratado, sob observação internacional apropriada, e por meio de procedimentos internacionais apropriados, os benefícios potenciais de quaisquer aplicações pacíficas de explosões nucleares serão tornados acessíveis aos Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, em uma base não discriminatória, e que o custo para essas Partes, dos explosivos nucleares empregados, será tão baixo quanto possível, com exclusão de qualquer custo de pesquisa e desenvolvimento. Os Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, poderão obter tais benefícios mediante acordo ou acordos internacionais especiais, por meio de um organismo internacional apropriado no qual os Estados não-nuclearmente armados terão representação adequada. As negociações sobre esse assunto começarão logo que possível, após a entrada em vigor deste Tratado. Os Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, que assim o desejem, poderão também obter tais benefícios em decorrência de acordos bilaterais.
Artigo VI
Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional.
Artigo VII
Nenhuma cláusula deste Tratado afeta o direito de qualquer grupo de Estados de concluir tratados regionais para assegurar a ausência total de armas nucleares em seus respectivos territórios.
Artigo VIII
1. Qualquer Parte deste Tratado poderá propor emendas ao mesmo. O texto de qualquer emenda proposta deverá ser submetido aos Governos depositários, que o circulará entre todas as Partes do Tratado. Em seguida, se solicitados a fazê-lo por um terço ou mais das Partes, os Governos depositários convocarão uma Conferência, à qual convidarão todas as Partes, para considerar tal emenda.
2. Qualquer emenda a este Tratado deverá ser aprovada pela maioria dos votos de todas as Partes do Tratado, incluindo os votos de todos os Estados nuclearmente armados Partes do Tratado e os votos de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica. A emenda entrará em vigor para cada Parte que depositar seu instrumento de ratificação da emenda após o depósito dos instrumentos de ratificação por uma maioria de todas as Partes, incluindo os instrumentos de ratificação de todos os Estados nuclearmente armados Partes do Tratado e os instrumentos de ratificação de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica. A partir de então, a emenda entrará em vigor para qualquer outra Parte quando do depósito de seu instrumento de ratificação da emenda.
3. Cinco anos após a entrada em vigor deste Tratado, uma Conferência das Partes será realizada em Genebra, Suíça, para avaliar a implementação do Tratado, com vistas a assegurar que os propósitos do Preâmbulo e os dispositivos do Tratado estejam sendo executados. A partir desta data, em intervalos de 5 (cinco) anos, a maioria das Partes do Tratado poderá obter - submetendo uma proposta com essa finalidade aos Governos depositários - a convocação de outras Conferências com o mesmo objetivo de avaliar a implementação do Tratado.
Artigo IX
1. Este Tratado estará aberto a assinatura de todos os Estados. Qualquer Estado que não assine o Tratado antes de sua entrada em vigor, de acordo com o parágrafo 3 deste Artigo, poderá a ele aderir a qualquer momento.
2. Este Tratado estará sujeito à ratificação pelos Estados signatários. Os instrumentos de ratificação e os instrumentos de adesão serão depositados junto aos Governos do Reino Unido, dos Estados Unidos da América e da União Soviética, que são aqui designados Governos depositários.
3. Este Tratado entrará em vigor após sua ratificação pelos Estados cujos Governos são designados depositários, e por 40 (quarenta) outros Estados signatários deste Tratado e após o depósito de seus instrumentos de ratificação. Para fins deste Tratado, um Estado nuclearmente armado é aquele que tiver fabricado ou explodido uma arma nuclear ou outro artefato explosivo nuclear antes de 1º de janeiro de 1967.
4. Para os Estados cujos instrumentos de ratificação ou adesão sejam depositados após a entrada em vigor deste Tratado, o mesmo entrará em vigor na data do depósito de seus instrumentos de ratificação ou adesão.
5. Os Governos depositários informarão prontamente a todos os Estados que tenham assinado ou aderido ao Tratado, a data de cada assinatura, a data do depósito de cada instrumento de ratificação ou adesão, a data de entrada em vigor deste Tratado, a data de recebimento de quaisquer pedidos de convocação de uma Conferência ou outras notificações.
6. Este Tratado será registrado pelos Governos depositários, de acordo com o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas.
Artigo X
1. Cada Parte tem, no exercício de sua soberania nacional, o direito de denunciar o Tratado se decidir que acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado, põem em risco os interesses supremos do país. Deverá notificar essa denúncia a todas as demais Partes do Tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 (três) meses de antecedência. Essa notificação deverá incluir uma declaração sobre os acontecimentos extraordinários que a seu juízo ameaçaram seus interesses supremos.
2. Vinte e cinco anos após a entrada em vigor do Tratado, reunir-se-á uma Conferência para decidir se o Tratado continuará em vigor indefinidamente, ou se será estendido por um ou mais períodos adicionais fixos. Essa decisão será tomada pela maioria das Partes no Tratado.
Artigo XI
Este Tratado - cujos textos em inglês, russo, francês, espanhol e chinês são igualmente autênticos - deverá ser depositado nos arquivos dos Governos depositários. Cópias devidamente autenticadas do presente Tratado serão transmitidas pelos Governos depositários aos Governos dos Estados que o assinem ou a ele adiram.

3-DOCUMENTOS HISTÓRICOS DA HISTÓRIA DO BRASIL
Documento 1
Título: Carta de Achamento do Brasil
Contexto Histórico: Expansão Marítima e Comercial
Autor: Pero Vaz de Caminha
País: América Portuguesa (parte integrante de Portugal)
Ano: 1500

CARTA DE ACHAMENTO DO BRASIL
Senhor
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que - para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da mafinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo.
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi, segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã Canária, onde andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escobar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E, quarta feira seguinte, pela manhã topamos aves a que chamam furabuchos.
Quarta-feira, 22 de abril: Neste dia, a horas de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele: e de terra chá, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome: O MONTE PASCOAL e à terra: a TERRA DA VERA CRUZ.
Quinta-feira, 23 de abril: Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças: e, ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças - ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, quatorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos.
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes; e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor, onde falaram entre si. E o capitão-mor mandou em terra no batei a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batei à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o bater; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça de linha que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. Na noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e especialmente a capitania.
Sexta-feira, 24 de abril: E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e tomos ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertamos.
Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E, velejando nós pela costa, acharam os ditos navios pequenos, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro, um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol-posto amainaram também. obra de uma légua do recife, e ancoraram em onze braças.
E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas: e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes. bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, do comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.
Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta. mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata.
Mostram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhe um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhe uma galinha; quase tiveram medo dela: não lhe queiram pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhe ali de comer: pão e peixe cozido, confeites, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por a não quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram.
Sábado, 25 de abril: Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças - ancoragem dentro tão grande, tão formosa e tão segura que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que eles levaram os braços, seus cascavéis e suas campainhas. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. João Telo, a que chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho.
Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e eles os pousaram, mas não se afastaram muito. E mal pousaram os arcos, logo saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais: nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam outros. Ali pararam. Entretanto, foi-se o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.
Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam; traziam cabaças de água, e tornavam alguns barris que nós levávamos; enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos; e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar.
Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.
Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos a saber, um no meio e os dois nos cabos. Ali andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.
Ali por então não houve mais fala nem entendimento com eles, por a berberia deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém.
Acenamos-lhe que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio. Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamo-nos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá o houvesse. Não cuidaram de lhe tirar coisa alguma, antes o mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu, à vista de nós, àquele que da primeira vez o agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo.
Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por louçainha todo cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia asseteado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. E com isto nos tornamos e eles foram-se.
À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em batéis a folgar pela baía, em frente da praia. Mas ninguém saiu em terra, porque o Capitão o não quis, sem embargo de ninguém nela estar. Somente saiu - ele com todos nós - em um ilhéu grande, que na baía está e que na baixa-mar fica mui vazio. Porém é por toda a parte cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele e todos nós outros, bem uma hora e meia. E alguns marinheiros, que ali andavam com um chinchorro, pescaram peixe miúdo, não muito. Então volvemo-nos às naus, já bem de noite.
Domingo, 26 de abril: Ao domingo de Páscoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esparavel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e a dançar um pedaço. A alguns deles se metiam em almadias - duas ou três que aí tinham - as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé.
Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e tomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam indo, na dianteira, por ordem do Capitão Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhe a mar levara, para lho dar; e nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.
Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.
Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas até embaixo, mas o vazios com a barriga e o estômago eram de sua própria cor. E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia, antes, quando saía da água. parecia mais vermelha.
Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles sem implicarem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam aos do esquife que saíssem em terra.
Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.
Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação a água espraia muito, deixando murta areia e muito cascalho a descoberto. Enquanto aí estávamos, foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.
E tanto que comemos, vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor com os quais ele se apartou, e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nos nós podíamos saber, por irmos de nossa viagem.
E entre muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem. E nisto concluíram. E tanto que a conclusão foi tomada, perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui por eles outros dois destes degredados.
Sobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam: e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixasse, do que eles dariam se os levassem, por ser gente que ninguém entende. Nem eles tão cedo aprenderam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam, quando Vossa Alteza cá mandar. E que portanto não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para todo mais os amansar e a pacificar, senão somente deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos. E assim, por melhor a todos parecer, ficou determinado.
Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra e ver-se-iam bem como era o rio, e também para folgarmos.
Fomos todos nos batéis em terra, armados e a bandeira conosco. Eles andavam ali na prata. à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinha, puseram todos os arcos. e acenavam que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais largo que um jogo de mancal. E mal desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam.
Passaram além tantos dos nossos, e andavam assim misturados com eles, que eles se esquivavam e afastavam-se. E deles alguns iam-se para cima onde outros estavam.
Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo, passou o rio, e fez tornar a todos.
A gente que ali estava não seria mais que a costumada. E tanto que o Capitão fez tornar a todos, vieram a ele alguns daqueles, não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem, nem tomavam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio.
Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas.
Então tornou-se o Capitão aquém do rio, e logo acudiram muitos à beira dele.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e de vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma côxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinha daquela tintura preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia vergonha alguma.
Também andava aí outra mulher moça, com um menino ou menina ao colo, atado com um pano (não sei de quê) aos peitos, de modo que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum.
Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós quantas lhe demandávamos acerca douro, que nós desejávamos saber se na terra havia.
Trazia este velho o beiço tão furado, que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar, metida nele uma pedra verde, ruim, que cerrava por fora este buraco. O Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão, para lha meter na boca.
Estivemos sobre isso rindo um pouco; e então enfadou-se o Capitão e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho, não por ela valer alguma coisa, mas por amostra. Depois houve-a o Capitão, segundo creio, para. com as outras coisas, a mandar a Vossa Alteza.
Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não mui altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.
Então tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde havíamos desembarcado. Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhe ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real, de que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se para cima.
E então o Capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os batéis, assim, rente da terra. Fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares.
E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão, que Bartolomeu Dias matou, lhes levou e lançou na praia.
Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão que para a outra se esquivavam, como pardais, do cevadouro. Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles querem, para os bem amansar.
O Capitão ao velho, com quem falou, deu uma carapuça vermelha. E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se apartou e começou de passar o rio, foi-se logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém.
Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que se deu o que já disse, nunca mais aqui apareceram - do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva. Porém e com tudo isto andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e formosos, que não pode mais ser.
Isto me fez presumir que não têm casas moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora vimos casa alguma ou maneira delas.
Mandou o Capitão àquele degredado Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. Ele foi e andou lá um bom pedaço, mais à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nenhuma cousa do seu. Antes - disse ele - que um lhe tomara umas continhas amarelas, que levava, e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como de Entre Doiro e Minho.
E assim nos tomamos às naus, já quase noite, a dormir.
Segunda-feira, 27 de abril: A segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos com as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou que vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, segundo creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.
E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.
Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiras, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagados entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, je que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.
Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.
E o Capitão mandou àquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noite.
Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.
Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. Mas quando se fez tarde, fizeram-no logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum. Ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas cousa a, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse.
E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.
Terça-feira, 28 de abril: A terça-feira, depois de comer, fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa.
Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta em arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.
Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz, dum pau, que ontem para isso se cortou.
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não têm coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.
Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.
O capitão mandou a dois degradados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia (e a outras, se houvesse novas delas) e que, em toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os mandassem. E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece haverá muitos nesta terra. Porém eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas seixas, e pareceram-me bastante maiores que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!
Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha.
Eu, creio. Senhor, que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que eu creio - o Capitão a Ela há de enviar.
Quarta-feira, 29 de abril: A quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia; muitos, segundo das naus vimos. No dizer de Sancho de Tovar, que lá foi, seriam obra de trezentos.
Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem, volveram-se já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas, quase como pegas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos.
Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau, queriam vir com ele alguns, mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol. Mandou-os essa noite mui bem pensar e tratar. Comeram toda a vianda que lhes deram; e mandou fazer-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. Dormiram e folgaram aquela noite.
E assim não houve mais este dia que para escrever seja.
Quinta-feira, 30 de abril: A quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E, em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas. Trouxeram-lhe vianda e comeu. Aos hóspedes, sentaram cada um em sua cadeira. E de tudo o que lhes deram comeram mui bem, especialmente ladão cozido, frio, e arroz.
Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos no batei e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima. E vinha tão contente com ela, como se tivera uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí.
Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta.
Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade.
Andavam todos tão dispostos, tão bem feitos e garantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis.
Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles.
Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água, que a nosso parecer era esta mesma, que vem ter à praia, e em que nós tomamos água.
Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homem as não pode contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.
Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada a uma árvore, unto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nós puséssemos todos em joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E, imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nós trouxe, creio que não foi sem causa.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Neste dia, enquanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.
Se lhes homem acenava se queriam vir às naus, faziam-se logo prestes para isso, em tal maneira que se a gente todos quisera convidar, todos vieram. Porém não trouxemos esta noite às naus, senão quatro ou cinco, a saber; o Capitão-mor, dois: Simão de Miranda, um, que trazia já por pajem; e Aires Gomes, outro, também por pajem.
Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes, que lhe trouxeram da primeira vez, quando aqui chegamos, o qual veio hoje aqui, vestido na sua camisa e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados, assim de vianda, como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.
Sexta-feira, 1 de maio: E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra, em nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o lugar, onde fizessem a cova para a chantar.
Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão. Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando ali nisso, vieram bem cento e cinqüenta ou mais.
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o Padre Frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.
E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nós pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantados, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros.
Algum deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu, junto com o altar, em uma cadeira. Ali nós pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo é o dia, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentos a devoção.
Esses, que estiveram sempre à pregação, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse uma ao pescoço de cada um. Pelo que o Padre Frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e a levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta.
Isto acabado - era já bem uma hora depois do meio-dia - viemos a comer às naus, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.
E, segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre mais devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram ambos.
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.
Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.
Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram desta nau no esquife, fugidos para terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, o longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão arvoredos. que nos parecia muito longa.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem 1ho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre Doiro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calicute, isso bastaria. Quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.
E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, com em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da ilha de São Tome a Jorge de Osório, meu genro - o que d' Ela receberei em muita merçê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha
 
Documento 2
Título: Lei Diogo Feijó (Lei de 7.11.1831)
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1831

LEI DIOGO FEIJÓ (LEI DE 7.11.1831)
DECLARAR LIVRES TODOS OS ESCRAVOS VINDOS DE FORA DO IMPÉRIO, E IMPÕE PENAS AOS IMPORTADORES DOS MESMOS ESCRAVOS
A Regência, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império, que à Assembleia Geral decretou, e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1º Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres. Excetuam-se:
§ 1º Os escravos matriculados no serviço de embarcações pertencentes ao país, onde a escravidão é permitida, enquanto empregados no serviço das mesmas embarcações.
§ 2º Os que fugirem do território, ou embarcação estrangeira, os quais serão entregues aos senhores que os reclamarem, e reexportados para fora do Brasil.
Para os casos da exceção do primeiro parágrafo, na visita da entrada se lavrará termo do número dos escravos, com as declarações necessárias para verificar a identidade dos mesmos, e fiscalizar-se na visita da saída se a embarcação leva aqueles, com que entrou. Os escravos, que forem achados depois da saída da embarcação, serão apreendidos, e retidos até serem reexportados.
Art. 2º Os importadores de escravos no Brasil incorrerão na pena corporal do artigo 179º do Código Criminal, imposta aos que reduzem à escravidão pessoas livres, e na multa de duzentos mil réis por abeça de cada um dos escravos importados, além de pagarem as despesas da reexportação para qualquer parte da África; reexportação, que o governo fará efetiva com a maior possível brevidade, contrastando com as autoridades africanas para lhes darem um asilo. Os infratores responderão cada um por si, e por todos.
Art. 3º São importadores:
§ 1º O comandante, mestre, ou contramestre.
§ 2º O que cientemente deu, ou recebeu o frete, ou por qualquer outro título a embarcação destinada para o comércio de escravos.
§ 3º Todos os interessados na negociação, e todos os que cientemente forneceram fundos, ou por qualquer motivo deram ajuda, a favor, auxiliando o desembarque, ou consentindo-o nas suas terras.
§ 4º Os que cientemente comprarem, como escravos, os que são declarados livres no artigo 1º; estes porém só ficam obrigados subsidiariamente ás despesas da reexportação, sujeitos, com tudo, ás outras penas.
Art. 4º Sendo apreendida fora dos portos do Brasil pelas forças nacionais alguma embarcação fazendo o comércio de escravos, proceder-se-á segundo a disposição dos artigos. 2º e 3º como se à apreensão fosse dentro do Império.
Art. 5º Todo aquele, que der noticia, fornecer os meios de se apreender qualquer número de pessoas importadas como escravos, ou sem ter precedido denuncia ou mandado judicial, fizer qualquer apreensão desta natureza, ou que perante o juiz de paz, ou qualquer autoridade local, der notícia do desembarque de pessoas livres, como escravos, por tal maneira que sejam apreendidos, receberá da fazenda pública a quantia de trinta mil réis por pessoa apreendida.
Art. 6º O comandante, oficiais, e marinheiros de embarcação, que fizer a apreensão, de que faz menção o artigo 4º, tem direito ao produto da multa, fazendo-se a partilha, segundo o regimento da marinha para a divisão das presas.
Art. 7º Não será permitido a qualquer homem liberto, que não for brasileiro, desembarcar nos portos do Brasil debaixo de qualquer motivo que seja. O que desembarcar será imediatamente reexportado.
Art. 8º O comandante, mestre, e contramestre, que trouxerem as pessoas mencionadas no artigo antecedente, incorrerão na multa de cem mil réis por cada pessoa, e farão as despesas de sua reexportação. O denunciante receberá da fazenda pública a quantia de trinta mil réis por pessoa.
Art. 9º O produto das multas impostas em virtude desta lei, depois de deduzidos os prêmios concedidos nos artigos 5º e 8º, e mais despesas que possam fazer a fazenda pública, será aplicada para as casas de expostos da província respectiva; e quando não haja tais casas para os hospitais.
Manda, portanto a todas as autoridades, a que o conhecimento, e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O secretário de estado dos negócios da justiça a faça imprimir, publicar, e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos sete dias do mês de novembro de 1831, décimo ano da Independência e do Império.
FRANCISCO DE LIMA E SILVA.
JOSÉ DA COSTA CARVALHO.
JOÃO BRAULIO MONIZ.
DIOGO ANTONIO FEIJÓ.
Carta de lei, pela qual vossa majestade imperial Manda executar o decreto da assembleia geral, que houve por bem sancionar, declarando que todos os escravos, que entrarem no território, ou portos do Brasil, vindos de fora, ficarão livres, com as exceções nelas declaradas, e impondo penas aos importadores dos ditos escravos, tudo na forma acima declarada.
Para vossa majestade imperial, ver.
Antonio Álvares de Miranda Varejão, a fez.
Diogo Antonio Feijó.
Foi publicada e selada na secretaria de estado dos negócios da justiça em 15 de Novembro de 1831. - João Carneiro de Campos.
Registrada nesta secretaria de estado dos negócios da justiça no L. 1º de Leis a fl. 98 em 15 de novembro de 1831. - Thomaz José Tinoco de Almeida.

Documento 3
Título: Lei Euzébio de Queirós (4.09.1850) - Lei 581 Regulamentada Pelo Decreto Imperial 731 Datada de 14.11.1850 (Parte I – Lei 581/50)
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1831

LEI EUZÉBIO DE QUEIRÓS (4.09.1850) - LEI 581 REGULAMENTADA PELO DECRETO IMPERIAL 731 DATADA DE 14.11.1850 (PARTE I – LEI 581/50)
ESTABELE MEDIDAS PARA A REPRESSÃO DO TRÁFICO DE AFRICANOS NESTE IMPÉRIO
Dom Pedro, por graça de Deus, e unânime aclamação dos povos, imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil: fazemos saber a todos os nossos súditos, que a assembleia geral decretou, e nós queremos a lei seguinte.
Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de sete de novembro de mil oitocentos trinta e um, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos.
Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente apreendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos.
Art. 2º O governo imperial marcará em regulamento os sinais que devem constituir a presunção legal do destino das embarcações ao tráfico de escravos.
Art. 3º São autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro, ou que concorrerem para os ocultarem ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair à apreensão no mar, ou em ato de desembarque, sendo perseguido.
Art. 4º A importação de escravos no território do império fica nele considerada como pirataria, e será punida pelos seus tribunais com as penas declaradas no artigo segundo da lei de sete de novembro de mil oitocentos e trinta e um. A tentativa e a cumplicidade serão punidas segundo as regras dos Artigos trinta e quatro e trinta e cinco do código criminal.
Art. 5º As embarcações de que tratam os artigos 1º e 2º e todos os barcos empregados no desembarque, ocultação, ou extravio de escravos, serão vendidos com toda a carga encontrada a bordo, e o seu produto pertencerá aos apresadores, deduzindo-se um quarto para o denunciante, se o houver. E o governo, verificado o julgamento de boa presa, retribuirá a tripulação da embarcação com à soma de quarenta mil réis por cada africano apreendido, que era distribuído conforme as leis a respeito.
Art. 6º Todos os escravos que forem apreendidos serão reexportados por conta para os portos donde tiverem vindo, ou para qualquer outro ponto fora do Império, que mais conveniente parecer ao governo; e em quanto essa reexportação se não verificar, serão empregados em trabalho debaixo da tutela do governo, não sendo em caso algum concedidos os seus serviços a particulares.
Art. 7º Não se darão passaportes aos navios mercantes para os portos da costa da África sem que seus donos, capitães ou mestres tenham assinado termo de não receberem à bordo deles escravo algum; prestando o dono fiança de uma quantia igual ao valor do navio, e carga, a qual fiança só será levantada se dentro de dezoito meses provar que foi exatamente cumprido aquilo a que se obrigou no termo.
Art. 8º Todos os apresamentos de embarcações, de que tratam os artigos 1º e 2º, assim como a liberdade dos escravos apreendidos no alto mar, ou na costa antes do desembarque, no ato dele, ou imediatamente depois em armazéns, e depósitos sitos nas costas e portos, serão processados e julgados em primeira instância pela auditoria de marinha, e em segunda pelo conselho de estado. O governo marcará em regulamento a forma do processo em primeira e segunda instancia, e poderá criar auditores de marinha nos portos onde convenha, devendo servir de auditores os juízes de direito das respectivas comarcas, que para isso forem designados.
Art. 9º Os auditores de marinha serão igualmente competentes para processar e julgar os réus mencionados no artigo terceiro. De suas decisões haverá para as relações os mesmos recursos e apelações que nos processos de responsabilidade.
Os compreendidos no artigo terceiro da lei de 7 de novembro de 1831, que não estão designados no artigo 3º desta lei, continuarão a ser processados, e julgados no foro comum.
Art. 10º Ficam revogadas quaisquer disposições em contrário.
Mandamos por tanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nela se contêm. O secretário de estado dos negócios da justiça a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos quatro de setembro de mil oitocentos e cinquenta, vigésimo nono ano da independência e do império.
IMPERADOR Com Rubrica e Guarda.
EUSÉBIO DE QUEIROZ COITINHO MATTOSO CÂMARA.
Carta de lei, pela qual vossa majestade imperial manda executar o decreto da assembleia geral, que houve por bem sancionar, estabelecendo medidas para a repressão do tráfico de africanos neste império, na forma acima declarada.
Para vossa majestade imperial ver.
Antonio Alves de Miranda Varejão a fez.
Eusébio de Queiroz Coitinho Matoso Câmara.
Selada na chancelaria do império em 5 de Setembro de 1850.
Josino do Nascimento Silva.
Publicada na secretaria de estado dos negócios da justiça em 5 de Setembro de 1850.
Josino do Nascimento Silva.
Registrada a fl. 135 v. do Lv. 1º de Leis. Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça em 27 de setembro de 1850.
José Tiburcio Carneiro de Campos.

Documento 4
Título: Lei Euzébio de Queirós (4.09.1850) - Lei 581 Regulamentada Pelo Decreto Imperial 731 Datada de 14.11.1850 (Parte II – Lei 581/50)
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1831

LEI EUZÉBIO DE QUEIRÓS (4.09.1850) - LEI 581 REGULAMENTADA PELO DECRETO IMPERIAL 731 DATADA DE 14.11.1850 (PARTE II – LEI 581/50)
ESTABELE MEDIDAS PARA A REPRESSÃO DO TRÁFICO DE AFRICANOS NESTE IMPÉRIO
Hei por bem, usando da faculdade que me confere o artigo 102º parágrafo 12 da Constituição, tendo ouvido o Conselho de Estado, decretar o seguinte:
Art. 1º Publicadas as sentenças em que o auditor de marinha deve apelar ex-officio, em conformidade dos artigos 10º e 13º do decreto 708 de 14 de outubro de 1850, o escrivão extrairá o traslado no prazo marcado no artigo 21º do referido decreto, e dentro desse mesmo prazo fará entrega do processo original na secretaria de estado dos negócios da justiça, e nas províncias na secretaria da presidência, para por seu intermédio ser remetido à da justiça. O recibo do processo original será unido ao respectivo traslado.
Art. 2º Apresentados os autos na secretaria da justiça, o ministro respectivo designará para relator um dos membros da seção de justiça do conselho de estado, ao qual serão remetidos.
Art. 3º O relator os apresentará na primeira conferência, e nela a seção de justiça do conselho de estado deliberará se são necessárias diligências para esclarecimento da verdade, ou regularidade do processo; e feitas essas diligências, se forem necessárias ou sem elas, se o não forem, ordenará que se dê vista aos apresadores e apresados, ao curador dos africanos, ou outras partes que devam ser ouvidas. Os autos serão entregues ao oficial maior da secretaria da justiça, que fará publicar na folha oficial por três dias consecutivos o despacho que dá vista ás partes.
Art. 4º Os advogados do conselho de estado que estiverem munidos de procuração dos apresadores ou apresados, e o curador dos africanos obterão vista dos autos, requerendo-a dentro de 8 dias, contados do primeiro anúncio; e nesse caso os autos lhe serão remetidos assinando o seu recebimento em protocolo. Os autos serão cobrados passados cinco dias da entrega aos advogados dos apresadores ou apresados; e serão remetidos ao relator com as alegações e documentos apresentados, ou sem eles, se o não tiverem sido. As partes que não nomearem advogado do conselho de estado poderão examinar os autos na secretaria, onde apresentarão suas razões e documentos, se os tiverem, no prazo mencionado.
Art. 5º Na primeira conferência que se seguir, o relator apresentará um relatório escrito, e feita à leitura das peças, que julgar necessárias, ou que os conselheiros exigirem, anunciará o seu voto, e estabelecido o debate se procederá á votação, tendo precedência as questões judiciais, que se houverem suscitado.
Art. 6º O relator escreverá o julgamento na forma de consulta e parecer, fazendo menção do voto vencido se o houver.
Art. 7º Este julgamento não produz efeito algum senão depois da resolução do poder executivo, que o mandar publicar, com a qual se entenderá homologada e produzirá todos os efeitos de sentença.
Art. 8º Quando o Poder Executivo entender que deve ouvir o conselho de estado pleno, antes da publicação do parecer da seção, ordenará a sua convocação, e perante ele fará o relator a sua exposição e leitura de todas as peças, e recolhidos os votos, o secretario lavrará o parecer na forma estabelecida, mencionando todos os votos, e aqueles que forem homologados pela resolução imperial terão o efeito de sentença.
Art. 9º A resolução imperial tomada sobre parecer da seção ou consulta do conselho de estado não pode ser embargada senão nos seguintes casos: 1º quando o julgamento parecer obscuro ou equivoco; 2º quando a causa tiver corrido á revelia dos proprietários do navio ou do seu carregamento, uma vez que se apresentem dentro do prazo da carta de éditos do artigo 8º do decreto 708 de 14 de outubro de 1850, porque só então poderão eles usar desse recurso. Não podem, porém reclamar este favor aqueles que, embora revés na causa, se achassem presentes no lugar ao tempo da apreensão ou do julgamento em 1ª ou 2ª instância.
Nos embargos seguir-se-á o mesmo processo que nas apelações, de que tratam os artigos antecedentes.
Art. 10º Os recursos interpostos pelo auditor de marinha nos termos do artigo 26º do decreto 708, e aqueles que as partes interpuserem no caso de pronúncia, serão julgados pela forma dos artigos 32º e 33º do regulamento das relações de 8 de janeiro de 1833.
As apelações serão julgadas na forma dos artigos 28º, 29º e 30º do citado regulamento.
Eusébio de Queiroz Coitinho Mattoso Câmara, do meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, assim o tenha entendido, e faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro em 14 de Novembro 1850, vigésimo nono ano da Independência e do Império.
Com a rubrica de sua Majestade o Imperador.
Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara.

Documento 5
Título: Lei de Terras (18.09.1850) – Lei 601 Regulamentada Pelo Decreto Imperial 1.318 Datada de 30.01.1854 (Parte I – Lei 601/50)
Contexto Histórico: Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1850

LEI DE TERRAS (18.09.1850) – LEI 601 REGULAMENTADA PELO DECRETO IMPERIAL 1.318 DATADA DE 30.01.1854 (PARTE I – LEI 601/50)
DISPÕE SOBRE AS TERRAS DEVOLUTAS DO IMPÉRIO
Dom Pedro II, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos, que a assembleia geral decretou, e nós queremos a lei seguinte:
Art. 1º Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra.
Excetuam-se as terras situadas nos limites do império com países estrangeiros em uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente.
Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas derribarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e de mais sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e multa de 100$, além da satisfação do dano causado. Esta pena, porém, não terá lugar nos atos possessórios entre heréos confinantes.
Parágrafo único. Os juízes de direito nas correições que fizerem na forma das leis e regulamentos, investigarão se as autoridades a quem compete o conhecimento destes delitos põem todo o cuidado em processá-los o puni-los, e farão efetiva a sua responsabilidade, impondo no caso de simples negligencia a multa de 50$ a 200$000.
Art. 3º São terras devolutas:
§ 1º As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do governo geral ou provincial, não incursas em condição por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.
§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do governo, que, apesar de incursas em condição, forem revalidadas por esta lei.
§ 4º As que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta lei.
Art. 4º Serão revalidadas as sesmarias, ou outras concessões do governo geral ou provincial, que se acharem cultivadas, ou com princípios de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionário, ou do quem os represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições, com que foram concedidas.
Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primaria, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:
§ 1º Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, compreenderá, além do terreno aproveitado ou do necessário para pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais de terreno devoluto que houver contíguo, contanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual às ultimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha.
§ 2º As posses em circunstâncias de serem legitimadas, que se acharem em sesmarias ou outras concessões do governo, não incursas em condição ou revalidadas por esta lei, só darão direito á indenização pelas benfeitorias.
Excetua-se desta regra o caso do verificar-se a favor da posse qualquer das seguintes hipóteses: 1ª, o ter sido declarada boa por sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou concessionários e os posseiros; 2ª, ter sido estabelecida antes da medição da sesmaria ou concessão, e não perturbada por cinco anos; 3ª, ter sido estabelecida depois da dita medição, e não perturbada por 10 anos.
§ 3º Dada à exceção do parágrafo antecedente, os posseiros gozarão do favor que lhes assegura o § 1°, competindo ao respectivo sesmeiro ou concessionário ficar com o terreno que sobrar da divisão feita entre os ditos posseiros, ou considerar-se também posseiro para entrar em rateio igual com eles.
§ 4º Os campos de uso comum dos moradores de uma ou mais freguesias, municípios ou comarcas serão conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a prática atual, enquanto por lei não se dispuser o contrário.
Art. 6º Não se haverá por princípio da cultura para a revalidação das sesmarias ou outras concessões do governo, nem para a legitimação de qualquer posse, os simples roçados, derribadas ou queimas de matos ou campos, levantamentos de ranchos e outros atos de semelhante natureza, não sendo acompanhados da cultura efetiva e morada habitual exigidas no artigo antecedente.
Art. 7º O governo marcará os prazos dentro dos quais deverão ser medidas as terras adquiridas por posses ou por sesmarias, ou outras concessões, que estejam por medir, assim como designará e instruirá as pessoas que devam fazer a medição, atendendo ás circunstancias de cada província, comarca e município, o podendo prorrogar os prazos marcados, quando o julgar conveniente, por medida geral que compreenda todos os possuidores da mesma província, comarca e município, onde a prorrogação convier.
Art. 8º Os possuidores que deixarem de proceder á medição nos prazos marcados pelo governo serão reputados caídos em condição, e perderão por isso o direito que tenham a serem preenchidos das terras concedidas por seus títulos, ou por favor da presente lei, conservando-o somente para serem mantidos na posse do terreno que ocuparem com efetiva cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto.
Art. 9º Não obstante os prazos que forem marcados, o governo mandará proceder à medição das terras devolutas, respeitando-se no ato da medição os limites das concessões e posses que acharem nas circunstâncias dos artigos 4º e 5º.
Qualquer oposição que haja da parte dos possuidores não impedirá a medição; mas, ultimada esta, se continuará vista aos oponentes para deduzirem seus embargos em termo breve.
As questões judiciárias entre os mesmos possuidores não impedirão tão pouco as diligências tendentes à execução da presente lei.
Art. 10º O governo proverá o modo prático de extremar o domínio público do particular, segundo as regras acima estabelecidas, incumbindo a sua execução ás autoridades que julgar mais convenientes, ou a comissários especiais, os quais procederão administrativamente, fazendo decidir por árbitros as questões e duvidas de fato, e dando de suas próprias decisões recurso para o presidente da província, do qual o haverá também para o governo.
Art. 11º Os posseiros serão obrigados a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por efeito desta lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem aliená-los por qualquer modo.
Esses títulos serão passados pelas repartições provinciais que o governo designar, pagando-se 5$ de direitos de chancelaria pelo terreno que não exceder de um quadrado de 500 braças por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais contiver a posse; e além disso 4$ de feitio, sem mais emolumentos ou sê-lo.
Art. 12º O governo reservará das terras devolutas as que julgar necessárias: 1º, para a colonização dos indígenas; 2º, para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de estabelecimentos públicos: 3º, para a construção naval.
Art. 13º O mesmo governo fará organizar por freguesias o registro das terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas e penas aqueles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as fizerem inexatas.
Art. 14º Fica o governo autorizado a vender as terras devolutas em hasta pública, ou fora dela, como e quando julgar mais conveniente, fazendo previamente medir, dividir, demarcar e descrever a porção das mesmas terras que houver de ser exposta à venda, guardadas as regras seguintes:
§ 1º A medição e divisão serão feitas, quando o permitirem as circunstâncias locas, por linhas que corram de norte ao sul, conforme o verdadeiro meridiano, e por outras que as cortem em ângulos retos, de maneira que formem lotes ou quadrados de 500 braças por lado demarcados convenientemente.
§ 2º Assim esses lotes, como as sobras de terras, em que se não puder verificar a divisão acima indicada, serão vendidos separadamente sobre o preço mínimo, fixado antecipadamente e pago à vista, de meio real, um real, real e meio, e dois réis, por braça quadrada, segundo for à qualidade e situação dos mesmos lotes e sobras.
§ 3º A venda fora da hasta pública será feita pelo preço que se ajustar, nunca abaixo do mínimo fixado, segundo a qualidade e situação dos respectivos lotes e sobras, ante o tribunal do tesouro público, com assistência do chefe da repartição geral das terras, na província do Rio de Janeiro, e ante as tesourarias, com assistência de um delegado do dito chefe, e com aprovação do respectivo presidente, nas outras províncias do império.
Art. 15. Os possuidores de terra de cultura e criação, qualquer que seja o título de sua aquisição, terão preferência na compra das terras devolutas que lhes forem contíguas, contanto que mostrem pelo estado da sua lavoura ou criação, que tem os meios necessários para aproveitá-las.
Art. 16º As terras devolutas que se venderem ficarão sempre sujeitas aos ônus seguintes:
§ 1º Ceder o terreno preciso para estradas públicas de uma povoação a outra, ou algum porto de embarque, salvo o direito de indenização das benfeitorias e do terreno ocupado.
§ 2º Dar servidão gratuita aos vizinhos quando lhes for indispensável para saírem à uma estrada publica, povoação ou porto de embarque, e com indenização quando lhes for proveitosa por encurtamento de um quarto ou mais de caminho.
§ 3º Consentir a tirada de águas desaproveitadas e a passagem delas, precedendo a indenização das benfeitorias e terreno ocupado.
§ 4º Sujeitar às disposições das leis respectivas quaisquer minas que se descobrirem nas mesmas terras.
Art. 17º Os estrangeiros que comprarem terras, e nelas se estabelecerem, ou vierem à sua custa exercer qualquer indústria no país, serão naturalizados querendo, depois de dois anos de residência pela forma por que o foram os da colônia de São Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do da guarda nacional dentro do município.
Art. 18º O governo fica autorizado a mandar vir anualmente à custa do tesouro certo número de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agrícolas, ou nos trabalhos dirigidos pela administração pública, ou na formação de coloniais nos lugares em que estas mais convierem; tomando antecipadamente as medidas necessárias para que tais colonos achem emprego logo que desembarcarem.
Aos colonos assim importados são aplicáveis as disposições do artigo antecedente.
Art. 19º O produto dos direitos de chancelaria e da venda das terras, de que tratam os artigos 11º e 14º será exclusivamente aplicado: 1°, à ulterior medição das terras devolutas e 2°, a importação de colonos livres, conforme o artigo precedente.
Art. 20º Enquanto o referido produto não for suficiente para as despesas a que é destinado, o governo exigirá anualmente os créditos necessários para as mesmas despesas, às quais aplicará desde já as sobras que existirem dos créditos anteriormente dados a favor da colonização, e mais a soma de 200$000.
Art. 21º Fica o governo autorizado a estabelecer, com o necessário regulamento, uma repartição especial que se denominará - Repartição Geral das Terras Públicas - e será encarregada de dirigir a medição, divisão, e descrição das terras devolutas, e sua conservação, de fiscalizar a venda e distribuição delas, e de promover a colonização nacional e estrangeira.
Art. 22. O governo fica autorizado igualmente a impor nos regulamentos que fizer para a execução da presente lei, penas de prisão até três meses, e de multa até 200$000.
Art. 23º Ficam revogadas todas as disposições em contrário.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O secretário de estado dos negócios do império a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos 18 dias do mês do Setembro de 1850, vigésimo nono ano da Independência e do Império.
Imperador com a rubrica e guarda.
Visconde de Monte Alegre.
Carta de lei, pela qual Vossa Majestade Imperial Manda executar o decreto da Assembleia Geral, que houve por bem sancionar, sobre terras devolutas, sesmarias, posses e colonização.
Para Vossa Majestade Imperial Ver.
João Gonçalves de Araujo a fez.
Euzébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara.
Selada na Chancelaria do Império em 20 de Setembro de 1850. - Josino do Nascimento Silva.
Publicada na secretaria de estado dos negócios do Império em 20 de Setembro de 1850. - José de Paiva Magalhães Calvet.
 
Documento 6
Título: Lei de Terras (18.09.1850) – Lei 601 Regulamentada Pelo Decreto Imperial 1.318 Datada de 30.01.1854 (Parte II – Lei 601/50)
Contexto Histórico: Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1854

LEI DE TERRAS (18.09.1850) – LEI 601 REGULAMENTADA PELO DECRETO IMPERIAL 1.318 DATADA DE 30.01.1854 (PARTE II – DECRETO IMPERIAL 1.318)
MANDA EXECUTAR A LEI 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850
Em virtude das autorizações concedidas pela lei 601 de 18 de setembro de 1850, hei por bem que, para execução da mesma lei, se observe o regulamento que com este baixa, assinado por Luiz Pedreira do Couto Ferraz, do meu conselho, ministro e secretário de estado dos negócios do império, que assim o tenha entendido, e faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro em trinta de janeiro de 1854, trigésimo terceiro da Independência e do Império.
Com a rubrica de sua majestade o imperador.
LUIZ PEDREIRA DO COUTO FERRAZ

REGULAMENTO PARA EXECUÇÃO DA LEI Nº 601 DE 18 DE SETEMBRO DE 1850, A QUE SE REFERE O DECRETO DESTA DATA
CAPÍTULO I
 DA REPARTIÇÃO GERAL DAS TERRAS PÚBLICAS
Art. 1º A repartição geral das terras públicas, criada pela lei 601 de 18 de setembro de 1850, fica subordinada ao ministro e secretário de estado dos negócios do império, e constará de um diretor geral das terras públicas, chefe da repartição, e de um fiscal.
A secretaria se comporá de um oficial maior, dois oficiais, quatro amanuenses, um porteiro, e um contínuo.
Um oficial e um amanuense serão hábeis em desenho topográfico, podendo ser tirados dentre os oficiais do corpo de engenheiros, ou do estado maior de 1ª classe.
Art. 2º Todos estes empregados serão nomeados por decreto imperial, exceto os amanuenses, porteiro, e contínuo, que o serão por portaria do ministro e secretário de estado dos negócios do império; e terão os vencimentos seguintes:
Diretor Geral, quatro contos de réis                                                                   4.000$000
Fiscal, dois contos e quatrocentos mil réis                              2.400$000
Oficial Maior, três contos e duzentos mil réis 3.200$000
Oficiais (cada um), dois contos e quatrocentos mil réis 2.400$000
Amanuense (cada um), um conto e duzentos mil réis 1.200$000
Porteiro, um conto de réis 1.000$000
Contínuo, seiscentos mil réis 600$000
Art. 3º Compete à Repartição Geral das Terras Públicas:
§ 1º Dirigir a medição, divisão, e descrição das terras devolutas, e prover sobre a sua conservação.
§ 2º Organizar um regulamento especial para as medições, no qual indique o modo pratico de proceder a elas, os quais as informações, que devem conter os memoriais, de que trata o artigo 16º deste regulamento.
§ 3º Propor ao governo as terras devolutas, que deverem ser reservadas: 1º para a colonização dos indígenas: 2º para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de estabelecimentos públicos.
§ 4º Fornecer ao ministro da marinha todas as informações, que tiver à cerca das terras devolutas, que em razão de sua situação, e abundância de madeiras próprias para a construção naval, convenha reservar para o dito fim.
§ 5º Propor a porção de terras medidas, que anualmente deverem ser vendidas.
§ 6º Fiscalizar a distribuição das terras devolutas, e a regularidade das operações da venda.
§ 7º Promover a colonização nacional, e estrangeira.
§ 8º Promover o registro das terras possuídas.
§ 9º Propor ao governo a fórmula, que devem ter os títulos de revalidação, e de legitimação de terras.
§ 10º Organizar, e submeter à aprovação do governo o regulamento, que deve reger a sua secretaria, e as e seus delegados nas províncias.
§ 11º Propor finalmente todas as medidas, que a experiência for demonstrando convenientes para o bom desempenho de suas atribuições, e melhor execução da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e deste regulamento.
Art. 4º Todas as ordens da repartição geral das terras públicas relativas à medição, divisão, e descrição das terras devolutas nas províncias; à sua conservação, venda, e distribuição; à colonização nacional e estrangeira, serão assinadas pelo ministro e secretário de estado dos negócios do império, e dirigidas aos presidentes das províncias. As informações, porém, que forem necessárias para o regular andamento do serviço a cargo da mesma repartição, poderão ser exigidas pelo diretor geral de seus delegados, ou requisitadas das autoridades, incumbidas por este regulamento do registro das terras possuídas, da medição, divisão, conservação, fiscalização, e venda das terras devolutas, e da legitimação, ou revalidação das que estão sujeitas á estas formalidades.
Art. 5º Compete ao fiscal:
§ 1º Dar parecer por escrito sobre todas as questões de terras, de que trata a da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e em que estiverem envolvidos direitos, e interesses do estado, e tiver de intervir a repartição geral das terras públicas, em virtude deste regulamento, ou por ordem do governo.
§ 2º Informar sobre os recursos interpostos das decisões dos presidentes das províncias para o governo imperial.
§ 3º Participar ao diretor geral as faltas cometidas por quaisquer autoridades, ou empregados, que por este regulamento tem de exercer funções concernentes ao registro das terras possuídas, à conservação, venda, medição, demarcação, e fiscalização das terras devolutas, ou que estão sujeitas à revalidação, e legitimação pelos artigos 4º e 5º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
§ 4º Dar ao diretor geral todos os esclarecimentos, e informações, que forem exigidos para o bom andamento do serviço.
Art. 6º Haverá nas províncias uma repartição especial das terras públicas nelas existentes. Esta repartição será subordinada aos presidentes das províncias, e dirigida por um delegado do diretor geral das terras públicas; terá um fiscal, que será o mesmo da tesouraria; os oficiais e amanuenses, que forem necessários, segundo a afluência do trabalho, e um porteiro servindo de arquivista.
O delegado, e os oficiais serão nomeados por decreto imperial; os amanuenses, e o porteiro por portaria do ministro e secretário de estado dos negócios do império. Estes empregados perceberão os vencimentos, que forem marcados por decreto, segundo a importância dos respectivos trabalhos.
Art. 7º O fiscal da repartição especial das terras públicas deve:
§ 1º Dar parecer por escrito sobre todas as questões de terras, de que trata a da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e em que estiverem envolvidos interesses do estado, e tiver de intervir a repartição especial das terras públicas, em virtude da lei, regulamento, e ordem do presidente da província.
§ 2º Participar ao delegado do chefe da repartição geral, a fim de as fazerem subir ao conhecimento do presidente da província, e ao do mesmo chefe, as faltas cometidas por quaisquer autoridades, ou empregados da respectiva província, que por este regulamento tem de exercer funções concernentes ao registro das terras possuídas, à conservação, venda, medição, demarcação, e fiscalização das terras devolutas, ou que estão sujeitas à revalidação e legitimação pelos artigos 4º e 5º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
§ 3º Prestar ao delegado do chefe da repartição geral todos os esclarecimentos, e informações, que forem por ele exigidos para o bom andamento do serviço.
Art. 8º O Governo fixará os emolumentos, que as partes têm de pagar pelas certidões, cópias de mapas, e quaisquer outros documentos passados nas secretarias das repartições geral e especiais das terras públicas. Os títulos, porém das terras, distribuídas em virtude da lei 601 de 18 de setembro de 1850, somente pagarão o imposto fixado no artigo 11º da mesma lei.
Os emolumentos, e imposto serão arrecadados como renda do estado.
Art. 9º O diretor geral das terras públicas, nos impedimentos temporários, será substituído pelo oficial maior da repartição; e os delegados por um dos oficiais da respectiva secretaria, designado pelo presidente da província.

CAPÍTULO II
DA MEDIÇÃO DAS TERRAS PÚBLICAS
Art. 10º As províncias, onde houver terras devolutas, serão divididas em tantos distritos de medição, quanto convier, compreendendo cada distrito parte de uma comarca, uma ou mais comarcas, e ainda a província inteira, segundo a quantidade de terras devolutas aí existentes, e a urgência de sua medição.
Art. 11º Em cada distrito haverá um inspetor geral das medições, ao qual serão subordinados tantos escreventes, desenhistas, e agrimensores, quantos convier. O inspetor geral será nomeado pelo governo, sob proposta do diretor geral. Os escreventes, desenhistas, e agrimensores serão nomeados pelo inspetor geral, com aprovação do presidente da província.
Art. 12º As medições serão feitas por territórios, que regularmente formarão quadrados de seis mil braças de lado, subdivididos em lotes, ou quadrados de quinhentas braças de lado, conforme a regra indicada no artigo 14º da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e segundo o modo prático prescrito no regulamento especial, que for organizado pela repartição geral das terras públicas.
Art. 13º Os agrimensores trabalharam regularmente por contrato, que farão com o inspetor de cada distrito, e no qual se fixará o seu vencimento por braça de medição, compreendidas todas as despesas com picadores, homens de corda, demarcação, & c., & c.
O preço máximo de cada braça de medição será estabelecido no regulamento especial.
Art. 14º O inspetor é o responsável pela exatidão das medições; o trabalho dos agrimensores lhe será por tanto submetido; e sendo por ele aprovado, procederá à formação dos mapas de cada um dos territórios medidos.
Art. 15º Destes mapas fará extrair três cópias, uma para a repartição geral das terras públicas, outra para o delegado da província respectiva, e outra que deve permanecer em seu poder; formando a final um mapa geral do seu distrito.
Art. 16º Estes mapas serão acompanhados de memoriais, contendo as notas descritivas do terreno medido, e todas as outras indicações, que deverem ser feitas em conformidade do Regulamento Especial das medições.
Art. 17º A medição começará pelas terras, que se reputarem devolutas, e que não estiverem encravadas por posses, anunciando-se por editais, e pelos jornais, se os houver no distrito, a medição, que se vai fazer.
Art. 18º O governo poderá com tudo, se julgar conveniente, mandar proceder à medição das terras devolutas contiguas tanto às terras, que se acharem no domínio particular, como às posses sujeitas à legitimação, e sesmarias, e concessões do governo sujeitas à revalidação, respeitando os limites de umas, e outras.
Art. 19º Neste caso, se os proprietários, ou posseiros vizinhos se sentirem prejudicados, apresentarão ao agrimensor petição, em que exporão o prejuízo, que sofrerem. Não obstante continuará a medição; e ultimada ela, organizados pelo inspetor o memorial, e mapa respectivos, será tudo remetido ao juiz municipal, se o peticionário prejudicado for possuidor, ou sesmeiro não sujeito à legitimação, ou revalidação, e ao juiz comissário criado pelo artigo 30º deste regulamento, se o dito peticionário for possuidor, ou sesmeiro sujeito à revalidação, ou legitimação. Tanto o juiz municipal, como o comissário darão vista aos opoentes por cinco dias para deduzirem seus embargos, que serão decididos, os deduzidos perante o juiz comissário nos termos, e com o recurso do artigo 47º; e os deduzidos perante o juiz municipal na forma das leis existentes, e com recurso para as autoridades judiciárias competentes.
Art. 20º As posses estabelecidas depois da publicação do presente regulamento não devem ser respeitadas. Quando os inspetores, e agrimensores encontrem semelhantes posses, o participarão aos juízes municipais para providenciarem na conformidade do artigo 2º da lei supracitada.
Art. 21º Os inspetores não terão ordenado fixo, mas sim gratificações pelas medições, que fizerem, as quais serão estabelecidas sob proposta do diretor geral das terras públicas, com atenção às dificuldades, que oferecerem as terras a medir.

CAPÍTULO III
DA REVALIDAÇÃO, E LEGITIMAÇÃO DAS TERRAS, E MODO PRÁTICO DE EXTREMAR O DOMÍNIO PÚBLICO DO PARTICULAR
Art. 22º Todo o possuidor de terras, que tiver título legítimo da aquisição do seu domínio, quer as terras, que fizerem parte dele, tenham sido originariamente adquiridas por posses de seus antecessores, quer por concessões de sesmarias não medidas, ou não confirmadas, nem cultivadas, se acha garantido em seu domínio, qualquer que for a sua extensão, por virtude do disposto no parágrafo 2º do artigo 3º da lei 601 de 18 de setembro de 1850, que exclui do domínio público, e considera como não devolutas, todas as terras, que se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo.
Art. 23º Estes possuidores, bem como os que tiverem terras havidas por sesmarias, e outras concessões do governo geral, ou provincial não incursas em condição por falta de cumprimento das condições de edição, confirmação, e cultura, não tem precisão de revalidação, nem de legitimação, nem de novos títulos para poderem gozar, hipotecar, ou alienar os terrenos, que se acham no seu domínio.
Art. 24º Estão sujeitos à legitimação:
§ 1º As posses, que se acharem em poder do primeiro ocupante, não tendo outro título senão a sua ocupação.
§ 2º As que, posto se achem em poder de segundo ocupante, não tiverem sido por este adquiridas por título legítimo.
§ 3º As que, achando-se em poder do primeiro ocupante até a data da publicação do presente regulamento, tiverem sido alienadas contra a proibição do artigo 11º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
Art. 25º São títulos legítimos todos aqueles, que segundo o direito são aptos para transferir o domínio.
Art. 26º Os escritos particulares de compra e venda, ou doação, nos casos em que por direito são aptos para transferir o domínio de bens de raiz, se consideram legítimos, se o pagamento do respectivo imposto tiver sido verificado antes da publicação deste regulamento: no caso, porém de que o pagamento se tenha realizado depois dessa data, não dispensaram a legitimação, se as terras transferidas houverem sido adquiridas por posse, e o que as transferir tiver sido o seu primeiro ocupante.
Art. 27º Estão sujeitas à revalidação as sesmarias, ou outras concessões do governo geral, ou provincial que, estando ainda no domínio dos primeiros sesmeiros, ou concessionários, se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro, ou concessionário, ou de quem o represente, e que não tiverem sido medidas, e demarcadas.
Excetuam-se, porém aquelas sesmarias, ou outras concessões do governo geral, ou provincial, que tiverem sido dispensadas das condições acima exigidas por ato do poder competente; e bem assim as terras concedidas às companhias para estabelecimento de colônias, e que forem medidas e demarcadas dentro dos prazos da concessão.
Art. 28º Logo que for publicado o presente regulamento, os presidentes das províncias exigiram dos juízes de direito, dos juízes municipais, delegados, subdelegados, e juízes de paz informação circunstanciada sobre a existência, ou não existência em suas comarcas, termos e distritos de posses sujeitas à legitimação, e de sesmarias, ou outras concessões do governo geral, ou provincial sujeitas à revalidação na forma dos artigos 24º, 25º, 26º e 27°.
Art. 29º Se as autoridades, a quem incumbe dar tais informações, deixarem de os fazerem nos prazos marcados pelos presidentes das províncias, serão punidas pelos mesmos presidentes com a multa de cinquenta mil réis, e com o dobro nas reincidências.
Art. 30º Obtidas às necessárias informações, os presidentes das províncias nomearão para cada um dos municípios, em que existirem sesmarias, ou outras concessões do governo geral, ou provincial, sujeitas à revalidação, ou posses sujeitas à legitimação, um juiz comissário de medições.
Art. 31º Os nomeados para este emprego, que não tiverem legítima escusa, a juízo do presidente da província, serão obrigados a aceitá-lo, e poderão ser compelidos a isso por multas até a quantia de cem mil réis.
Art. 32º Feita à nomeação dos juízes comissários das medições, o presidente da província marcará o prazo, em que deverão ser medidas as terras adquiridas por posses sujeitas à legitimação, ou por sesmarias, ou outras concessões, que estejam por medir, e sujeitas à revalidação, marcando maior ou menor prazo, segundo as circunstancias do município, e o maior ou menor número de posses, e sesmarias sujeitas à legitimação, e revalidação, que aí existirem.
Art. 33º Os prazos marcados poderão ser prorrogados pelos mesmos presidentes, se assim o julgarem conveniente; e neste caso a prorrogação aproveita a todos os possuidores do município para o qual for concedida.
Art. 34º Os juízes comissários das medições são os competentes:
§ 1º Para proceder à medição, e demarcação das sesmarias, ou concessões do governo geral, ou provincial, sujeitas à revalidação, e das posses sujeitas à legitimação.
§ 2º Para nomear os seus respectivos escrivães, e os agrimensores, que com eles devem proceder às medições, e demarcações.
Art. 35º Os agrimensores serão pessoas habilitadas por qualquer escola nacional, ou estrangeira, reconhecida pelos respectivos governos, e em que se ensine topografia. Na falta de título competente serão habilitados por exame feito por dois oficiais do corpo de engenheiros, ou por duas pessoas, que tenham o curso completo da escola militar, sendo os examinadores nomeados pelos presidentes das províncias.
Art. 36º Os juízes comissários não procederam à medição alguma sem preceder requerimento de parte: o requerimento deverá designar o lugar, em que hesita a posse, sesmaria, ou concessão do governo, e os seus confrontantes.
Art. 37º Requerida à medição, o juiz comissário, verificando a circunstância da cultura efetiva, e morada habitual, de que trata o artigo 6º da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e que não são simples roçados, derribadas, ou queimas de matos, e outros atos semelhantes, os que constituem a pretendida posse, marcará o dia, em que a devem começar, fazendo-o público com antecedência de oito dias, pelo menos, por editais, que serão afixados nos lugares do costume na freguesia, em que se acharem as possessões, ou sesmarias, que houverem de ser legitimadas, ou revalidadas; e fazendo citar os confrontantes por carta de editos.
Art. 38º No dia assinado para a medição, reunidos no lugar o juiz comissário, escrivão, e agrimensor, e os demais empregados na medição, deferirá o juiz juramento ao escrivão, e agrimensor, se já o não tiverem recebido; e fará lavrar termo, do qual conste a fixação dos editais, e entrega das cartas de citação aos confrontantes.
Art. 39º Imediatamente declarará aberta a audiência, e ouvirá a parte, e os confrontantes, decidindo administrativamente, e sem recurso imediato, os requerimentos tanto verbais, como escritos, que lhe forem apresentados.
Art. 40º Se a medição requerida for de sesmaria, ou outra concessão do governo, fará proceder à ela de conformidade com os rumos, e confrontações designados no título de concessão; com tanto que a sesmaria tenha cultura efetiva, e morada habitual, como determina o artigo 6º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
Art. 41º Se dentro dos limites da sesmaria, ou concessão encontrarem posses com cultura efetiva, e morada habitual, em circunstancias de serem legitimadas, examinarão se essas posses tem em seu favor alguma das exceções constantes da segunda parte do parágrafo 2º do artigo 5º da lei 601 de 18 de setembro de 1850; e verificada alguma das ditas exceções, em favor das posses, deverão elas ser medidas, a fim de que os respectivos posseiros obtenham a sua legitimação, medindo-se neste caso para o sesmeiro, ou concessionário o terreno, que restar da sesmaria, ou concessão, se o sesmeiro não preferir o rateio, de que trata o parágrafo 3º do artigo 5º da lei.
Art. 42º Se, porém as posses, que se acharem nas sesmarias, ou concessões, não tiverem em seu favor alguma das ditas exceções, o juiz comissário fará proceder à avaliação das benfeitorias, que nelas existirem; e entregue o seu valor ao posseiro, ou competentemente depositado, se este o não quiser receber, as fará despejar, procedendo à medição de conformidade com o título da sesmaria, ou concessão.
Art. 43. A avaliação das benfeitorias se fará por dois árbitros nomeados, um pelo sesmeiro, ou concessionário, e o outro pelo posseiro; e se aqueles discordarem na avaliação, o juiz comissário nomeará um terceiro árbitro, cujo voto prevalecerá, e em que poderá concordar com um dos dois, ou indicar novo valor, com tanto que não esteja fora dos limites dos preços arbitrados pelos outros dois.
Art. 44º Se a medição requerida for de posses não situadas dentro de sesmarias, ou outras concessões, porém em terrenos, que se achassem devolutos, e tiverem sido adquiridas por ocupação primaria, ou havidas sem título legitimo do primeiro ocupante, devem ser legitimadas, estando cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, o juiz comissário fará estimar por árbitros os limites da posse, ou seja, em terras de cultura, ou em campos de criação; e verificados esses limites, e calculada pelo agrimensor a área neles contida, fará medir para o posseiro o terreno, que tiver sido cultivado, ou estiver ocupado por animais, sendo terras de criação, e outro tanto mais de terreno devoluto, que houver contiguo; com tanto que não prejudique a terceiro, e que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a uma sesmaria para cultura, ou criação igual ás ultimas concedidas na mesma Comarca, ou na mais vizinha.
Art. 45º Se a posse, que se houver de medir, for limitada por outras, cujos posseiros possam ser prejudicados com a estimação do terreno ocupado, cada um dos posseiros limítrofes nomeará um árbitro, os quais, unidos ao nomeado pelo primeiro, cujo terreno se vai estimar, procederão em comum à estimação dos limites de todas, para proceder-se ao cálculo de suas áreas, e ao rateio segundo a porção, que cada um posseiro tiver cultivado, ou aproveitado. Se os árbitros não concordarem entre si, o juiz nomeará um novo, cujo voto prevalecerá, e em que poderá concordar com o de qualquer dos antecedentes árbitros, ou indicar novos limites; com tanto que estes não compreendam, em cada posse, áreas maiores ou menores do que as compreendidas nos limites estimados pelos anteriores árbitros.
Art. 46º Se, porém a posse não for limitada por outras, que possam ser prejudicadas, a estimação do terreno aproveitado, ou ocupado por animais se fará por dois árbitros, um nomeado pelo posseiro, e outro pelo escrivão, que servirá neste caso de promotor do juízo; e se discordarem estes, o juiz nomeará um terceiro arbitro, que poderá concordar com um dos dois primeiros, ou fixar novos limites; com tanto que sejam dentro do terreno incluído entre os limites estimados pelos outros dois.
Art. 47º Nas medições, tanto de sesmarias, e outras concessões do governo geral, e provincial, sujeitas à revalidação, como nas posses sujeitas à legitimação, as decisões dos árbitros, aos quais serão submetidas pelo juiz comissário todas as questões, e dúvidas de fato, que se suscitarem, não serão sujeitas a recurso algum; as dos juízes comissários, porém que versarem sobre o direito dos sesmeiros, ou posseiros, e seus confrontantes, estão sujeitas a recurso para o presidente da província, e deste para o governo imperial.
Art. 48º Estes recursos não suspenderão a execução: ultimada ela, e feita à demarcação, escritos nos autos todos os termos respectivos, os quais serão também assinados pelo agrimensor, organizará este o mapa, que a deve esclarecer; e unidos aos autos todos os requerimentos escritos, que tiver havido, e todos os documentos apresentados pelas partes, o juiz comissário a julgará por finda; fará extrair um traslado dos autos para ficar em poder do escrivão, e remeterá os originais ao presidente da província, ainda quando não tenha havido interposição de recurso.
Art. 49º Recebidos os autos pelo presidente, e obtidos por ele todos os esclarecimentos, que julgar necessários, ouvirá o parecer do delegado do diretor geral das terras públicas, e este ao fiscal respectivo, e dará a sua decisão, que será publicada na secretaria da presidência, e registrada no respectivo livro da porta.
Art. 50º Se o presidente entender que a medição foi irregular, ou que se não guardou às partes o seu direito, em conformidade da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e do presente regulamento, mandará proceder à nova medição, dando as instruções necessárias à correção dos erros, que tiver havido; e se entender justo, poderá condenar o juiz comissário, o escrivão, e agrimensor a perderem os emolumentos, que tiverem percebido pela medição irregular.
Art. 51º Se o julgamento do presidente aprovar a medição, serão os autos remetidos ao delegado do diretor geral das terras públicas para fazer passar em favor do posseiro, sesmeiro, ou concessionário o respectivo título de sua possessão, sesmaria, ou concessão, depois de pagos na tesouraria os direitos de chancelaria, segundo a taxa do artigo 11º da lei 601 de 18 de setembro de 1850. Os títulos serão assinados pelo presidente.
Art. 52º Das decisões do presidente da província dá-se recurso para o governo imperial. Este recurso será interposto em requerimento apresentado ao secretário da presidência, dentro de dez dias, contados da data da publicação da decisão na secretaria; e sendo assim apresentado, suspenderá a execução da decisão, em quanto pender o recurso, que será remetido oficialmente pelo intermédio do ministro e secretário de estado dos negócios do império.
Art. 53º Os concessionários de sesmarias que, posto tenham sido medidas, estão sujeitos à revalidação por falta do cumprimento da condição de confirmação, a requererão aos presidentes das províncias, os quais mandarão expedir o competente título pelo delegado do diretor geral das terras públicas, se da medição houver sentença passada em julgado.
Art. 54. Os concessionários de sesmarias que, posto tenham sido medidas, não tiverem sentença de medição passada em julgado, deverão fazer proceder à medição nos termos dos artigos 36º e 40º para poderem obter o título de revalidação.
Art. 55º Os presidentes das províncias, quando nomearem os juízes comissários de medições, marcarão os salários e emolumentos, que estes, seus escrivães, e agrimensores deverão receber das partes pelas medições, que fizerem.
Art. 56º Findo o prazo marcado pelo presidente para medição das sesmarias, e concessões do governo sujeitas à revalidação, e das posses sujeitas à legitimação, os comissários informarão os presidentes do estado das medições, e do número das sesmarias, e posses, que se acharem por medir, declarando as causas, que houverem inibido a ultimação das medições.
Art. 57º Os presidentes à vista destas informações deliberarão sobre a justiça, e conveniência da concessão de novo prazo; e resolvendo a concessão, a comunicaram aos comissários para prosseguirem nas medições.
Art. 58º Findos os prazos, que tiverem sido concedidos, os presidentes farão declarar pelos comissários aos possuidores de terras, que tiverem deixado de cumprir a obrigação de as fazerem medir, que eles tem caído em comisso, e perdido o direito a serem preenchidos das terras concedidas por seus títulos, ou em favor da lei 601 de 18 de setembro de 1850, e desta circunstância farão as convenientes participações ao delegado do diretor geral das terras públicas, e este ao referido diretor, a fim de dar as providências para a medição das terras devolutas, que ficarem existindo em virtude dos ditos comissos.

CAPÍTULO IV
DA MEDIÇÃO DAS TERRAS QUE SE ACHAREM NO DOMÍNIO PARTICULAR POR QUALQUER TÍTULO LEGÍTIMO
Art. 59º As posses originariamente adquiridas por ocupação, que não estão sujeitas à legitimação por se acharem atualmente no domínio particular por título legítimo, podem ser com tudo legitimadas, se os proprietários pretenderem obter título de sua possessão, passado pela repartição geral das terras públicas.
Art. 60º Os possuidores, que estiverem nas circunstâncias do artigo antecedente, requereram aos juízes municipais medição das terras, que se acharem no seu domínio por título legítimo; e estes à vista do respectivo título a determinaram, citados os confrontantes. No processo de tais medições guardar-se-ão as leis e regulamentos existentes, e de conformidade com suas disposições se darão todos os recursos para as autoridades judiciárias existentes.
Art. 61º Obtida à sentença de medição, e passada em julgado, os proprietários poderão solicitar com ela dos presidentes de província o título de suas possessões; e estes os mandarão, passar pela maneira declarada no artigo 51º.
Art. 62º Os possuidores de sesmarias, que, posto não fossem medidas, não estão sujeitas à revalidação por não se acharem já no domínio dos concessionários, mas sim no de outrem com título legítimo, poderão igualmente obter novos títulos de sua propriedade, feita a medição pelos juízes municipais nos termos dos artigos antecedentes.
Art. 63º Os juízes de direito, nas correições que fizerem, indagarão se os juízes municipais são ativos, e diligentes em proceder às medições, de que trata este capítulo, e que lhes forem requeridas; e achando-os em negligência, lhes poderão impor a multa de cem a duzentos mil réis. Esta multa, bem como a dos artigos antecedentes, serão cobradas executivamente como dívidas da fazenda pública, e para esse fim as autoridades, que as impuserem farão as necessárias participações aos inspetores das tesourarias.

CAPÍTULO V
DA VENDA DAS TERRAS PÚBLICAS
Art. 64º A medida que se for verificando a medição, e demarcação dos territórios, em que devem ser divididas as terras devolutas, os delegados do diretor geral das terras públicas remeterão ao dito diretor os mapas da medição, e demarcação de cada um dos ditos territórios, acompanhados dos respectivos memoriais, e de informação de todas as circunstâncias favoráveis, ou desfavoráveis ao território medido, e do valor de cada braça quadrada, com atenção aos preços fixados no parágrafo 2º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
Art. 65º O Diretor Geral, de posse dos mapas, memoriais, e informações, proporá ao Governo Imperial a venda das terras, que não forem reservadas para alguns dos fins declarados no artigo 12º da lei 601 de 18 de setembro de 1850, tendo atenção à demanda, que houver delas em cada uma das províncias, e indicando o preço mínimo da braça quadrada, que deva ser fixado na conformidade do disposto no § 2º do artigo 14 da citada lei.
Art. 66º Ao Governo Imperial compete deliberar, como julgar conveniente, se as terras medidas, e demarcadas devem ser vendidas; quando o devem ser; e se a venda se há de fazer em hasta publica, ou fora dela; bem como o preço mínimo, pelo qual devam ser vendidas.
Art. 67º Resolvido pelo Governo Imperial que a venda se faça em hasta publica, e estabelecido o preço mínimo, prescreverá o mesmo Governo o lugar, em que a hasta pública se há de verificar; as autoridades perante quem há de ser feita, e as formalidades que devem ser guardadas; com tanto que se observe o disposto no § 2º do artigo 14º da lei da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
Art. 68º Terminada a hasta pública, os lotes, que andarem nela, e não forem vendidos por falta de licitantes, poderão ser posteriormente vendidos fora dela, quando apareçam pretendentes. As ofertas para esse fim serão dirigidas ao Tribunal do Tesouro Nacional na província do Rio de Janeiro, e aos inspetores das tesourarias nas outras províncias do Império.
Art. 69º O Tribunal do Tesouro Nacional, recebidas as ofertas, convocará o diretor geral das terras públicas, e com sua assistência fará a venda pelo preço, que se ajustar, não sendo menor do que o mínimo fixado para cada braça quadrada, segundo sua qualidade, e situação.
Art. 70º Se as ofertas forem feitas aos inspectores das tesourarias nas outras províncias do Império, estes a submeterão aos respectivos Presidentes para declararem se aprovam, ou não a venda; e no caso afirmativo convocarão o delegado do diretor geral das terras públicas, e com sua assistência ultimarão o ajuste, verificando-se a venda de cada um dos lotes nos termos do artigo antecedente.
Art. 71º Quando o Governo Imperial julgue conveniente fazer vender fora da hasta pública algum, ou alguns dos territórios medidos, a venda se verificará sempre perante o Tesouro Nacional nos termos do artigo 69º.

CAPÍTULO VI
DAS TERRAS RESERVADAS
Art. 72º Serão reservadas terras devolutas para colonização, e aldeamento de indígenas nos distritos, onde existirem hordas selvagens.
Art. 73º Os inspetores, e Agrimensores, tendo notícia da existência de tais hordas nas terras devolutas, que tiverem de medir, procurarão instruir-se de seu gênio e índole, do número provável de almas, que elas contêm, e da facilidade, ou dificuldade, que houver para o seu aldeamento; e de tudo informarão o diretor geral das terras públicas, por intermédio dos delegados, indicando o lugar mais azado para o estabelecimento do aldeamento, e os meios de o obter; bem como a extensão de terra para isso necessária.
Art. 74º À vista de tais informações, o diretor geral proporá ao Governo Imperial a reserva das terras necessárias para o aldeamento, e todas as providências para que este se obtenha.
Art. 75º As terras reservadas para colonização de indígenas, e por eles distribuídas, são destinadas ao seu usufruto; e não poderão ser alienadas, enquanto o Governo Imperial, por ato especial, não lhes conceder o pleno gozo delas, por assim o permitir o seu estado de civilização.
Art. 76º Os mesmos inspetores, e agrimensores darão notícia, pelo mesmo intermédio, dos lugares apropriados para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, bem como para assento de estabelecimentos públicos; e o diretor geral das terras públicas proporá ao Governo Imperial as reservas, que julgar convenientes.
Art. 77º As terras reservadas para fundação das povoações serão divididas, conforme o Governo julgar conveniente, em lotes urbanos e rurais, ou somente nos primeiros. Estes não serão maiores de 10 braças de frente e 50 de fundo. Os rurais poderão ter maior extensão, segundo as circunstâncias o exigirem, não excedendo porém cada lote de 400 braças de frente sobre outras tantas de fundo.
Depois de reservados os lotes que forem necessários para aquartelamentos, fortificações, cemitérios, (fora do recinto das povoações), e quaisquer outros estabelecimentos e servidões públicas, será o restante distribuído pelos povoadores a título de aforamento perpétuo, devendo o foro ser fixado sob proposta do diretor geral das terras públicas, e sendo sempre o laudêmio, em caso de venda, - a quarentena -.
Art. 78º Os lotes, em que devem ser divididas as terras destinadas à fundação de Povoações, serão medidos com frente para as ruas, e praças, traçadas com antecedência, dando o diretor geral das terras públicas as providencias necessárias para a regularidade, e formosura das povoações.
Art. 79º O foro estabelecido para as terras assim reservadas, e o laudêmio proveniente das vendas delas serão aplicados ao calçamento das ruas, e seu aformoseamento, à construção de chafarizes, e de outras obras de utilidade das Povoações, incluindo a abertura e conservação de estradas dentro do distrito que lhes for marcado. Serão cobrados, administrados, e aplicados pela forma que prescrever o Governo quando mandar fundar a povoação, e enquanto esta não for elevada à categoria de vila. Neste caso a Municipalidade proverá sobre a cobrança e administração do referido foro, não podendo dar-lhe outra aplicação, que não seja a acima mencionada.
Art. 80º A requisição para a reserva de terras públicas, destinadas à construção naval, será feita pelo ministro e secretario d'estado dos negócios da marinha, depois de obtidos os esclarecimentos, e informações necessárias, seja da Repartição Geral das Terras Públicas, seja de empregados da marinha ou de particulares.
Art. 81º As terras reservadas para o dito fim ficarão sob a administração da Marinha, por cuja repartição se nomearão os guardas, que devem vigiar na conservação de suas matas, e denunciar aos juízes conservadores do artigo 87º, aqueles que, sem legítima autorização, cortarem madeiras, a fim de serem punidos com as penas do artigo 2º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.

CAPÍTULO VII
DAS TERRAS DEVOLUTAS SITUADAS NOS LIMITES DO IMPÉRIO COM PAÍSES ESTRANGEIROS
Art. 82º Dentro da zona de dez léguas contigua aos limites do Império com países estrangeiros, e em terras devolutas, que o Governo pretender povoar, estabelecer-se-ão colônias militares.
Art. 83º Para o estabelecimento de tais colônias não é necessário, que preceda a medição; porém esta deverá ser feita, logo que for estabelecida a colônia, por Inspetores, e Agrimensores especiais, à quem serão dadas instruções particulares para regular a extensão, que devem ter os territórios, que forem medidos dentro da zona de dez léguas, bem como a extensão dos quadrados, ou lotes, em que hão de ser subdivididos os territórios medidos.
Art. 84º Deliberado o estabelecimento das colônias militares, o Governo marcará o número de lotes, que hão de ser distribuídos gratuitamente aos colonos, e aos outros povoadores nacionais e estrangeiros; as condições dessa distribuição, e as autoridades, que hão de conferir os títulos.
Art. 85º Os empresários, que pretenderem fazer povoar quaisquer terras devolutas compreendidas na zona de dez léguas nos limites do Império com países estrangeiros, importando para elas, à sua custa, colonos nacionais ou estrangeiros, deverão dirigir suas propostas ao Governo Imperial, por intermédio do diretor geral das terras públicas, sob as bases: 1ª da concessão aos ditos empresários de dez léguas em quadro ou o seu equivalente para cada colônia de mil e seiscentas almas, sendo as terras de cultura, e quatrocentas sendo campos próprios para criação de animais: 2ª de um subsídio para ajuda da empresa, que será regulado segundo as dificuldades que ela oferecer.
Art. 86º As terras assim concedidas deverão ser medidas à custa dos empresários pelos inspetores, e agrimensores, na forma, que for designada no ato da concessão.

CAPÍTULO VIII
DA CONSERVAÇÃO DAS TERRAS DEVOLUTAS E ALHEIAS
Art. 87º Os juízes municipais são os conservadores das terras devolutas. Os delegados e subdelegados exercerão também as funções de conservadores em seus distritos, e, como tais, deverão proceder ex-officio contra os que cometerem os delitos, de que trata o artigo seguinte, e remeter, depois de preparados, os respectivos autos ao juiz municipal do termo para o julgamento final.
Art. 88º Os juízes municipais, logo que receberem os autos mencionados no Artigo antecedente, ou chegar ao seu conhecimento, por qualquer meio, que alguém se tem apossado de terras devolutas, ou derribado seus matos, ou neles lançado fogo, procederão imediatamente ex-officio contra os delinquentes, processando-os pela forma, por que se processão os que violão as posturas municipais, e impondo-lhes as penas do artigo 2º da lei 601 de 18 de setembro de 1850.
Art. 89º O mesmo procedimento terá, a requerimento dos proprietários, contra os que se apossarem de suas terras, e nelas derribarem matos, ou lançarem fogo; com tanto que os indivíduos, que praticarem tais atos, não sejam hereos confinantes. Neste caso somente compete ao hereo prejudicado a ação civil.
Art. 90º Os juízes de direito, nas correções que fizerem, investigarão se os juízes municipais, põe todo o cuidado em processar os que cometerem tais delitos; e os delegados e subdelegados em cumprir as obrigações, que lhes impõe o artigo 87º; e farão efetiva a sua responsabilidade, impondo-lhes, no caso de simples negligencia, multa de cinquenta a duzentos mil réis, e, no caso de maior culpa, prisão até três meses.

CAPÍTULO IX
DO REGISTRO DAS TERRAS POSSUÍDAS
Art. 91º Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de sua propriedade, ou possessão, são obrigados a fazer registrar as terras, que possuírem, dentro dos prazos marcados pelo presente regulamento, os quais se começarão a contar, na Corte, e província do Rio de Janeiro, da data fixada pelo ministro e secretario d'estado dos negócios do império, e nas províncias, da fixada pelo respectivo presidente.
Art. 92º Os prazos serão 1º, 2º e 3º: o 1º de dois anos, o 2º de um ano, e o 3º de seis meses.
Art. 93º As declarações para o registro serão feitas pelos possuidores, que as escreveram, ou farão escrever por outrem em dois exemplares iguais, assinando-os ambos, ou fazendo-os assinar pelo indivíduo, que os houver escrito, se os possuidores não souberem escrever.
Art. 94º As declarações para o registro das terras possuídas por menores, índios, ou quaisquer corporações, serão feitas por seus país, tutores, curadores, diretores, ou encarregados da administração de seus bens, e terras. As declarações, de que tratam este e o artigo antecedente, não conferem algum direito aos possuidores.
Art. 95º Os que não fizerem as declarações por escrito nos prazos estabelecidos, serão multados pelos encarregados do registro na respectiva freguesia: findo o primeiro prazo em vinte e cinco mil réis, findo o segundo em cinquenta, e findo o terceiro em cem mil réis.
Art. 96º As multas serão comunicadas aos inspetores da tesouraria, e cobradas executivamente, como dívidas da Fazenda Nacional.
Art. 97º Os vigários de cada uma das freguesias do Império são os encarregados de receber as declarações para o registro das terras, e os incumbidos de proceder á esse registro dentro de suas freguesias, fazendo-o por si, ou por escreventes, que poderão nomear, e ter sob sua responsabilidade.
Art. 98º Os vigários, logo que for marcada a data do primeiro prazo, de que trata o artigo 91º, instruirão a seus fregueses da obrigação, em que estão, de fazerem registrar as terras, que possuírem, declarando-lhes o prazo, em que o devem fazer, as penas em que incorrem, e dando-lhes todas as explicações, que julgarem necessárias para o bom cumprimento da referida obrigação.
Art. 99º Estas instruções serão dadas nas missas conventuais, publicadas por todos os meios, que parecerem necessários para o conhecimento dos respectivos fregueses.
Art. 100º As declarações das terras possuídas devem conter: o nome do possuidor, a designação da freguesia, em que estão situadas: o nome particular da situação, se o tiver: sua extensão, se for conhecida: e seus limites.
Art. 101º As pessoas obrigadas ao registro apresentarão ao respectivo vigário os dois exemplares, de que trata o artigo 93º; e sendo conferidos por ele, achando-os iguais e em regra, fará em ambos uma nota, que designe o dia de sua apresentação; e assignando as notas de ambos os exemplares, entregará um deles ao apresentante para lhe servir de prova de haver cumprido a obrigação do registro, guardando o outro para fazer esse registro.
Art. 102º Se os exemplares não contiverem as declarações necessárias, os vigários poderão fazer aos apresentantes as observações convenientes a instrui-los do modo, por que devem ser feitas essas declarações, no caso de que lhes pareçam não satisfazer elas ao disposto no artigo 100º, ou de conterem erros notórios: se porém as partes insistirem no registro de suas declarações pelo modo por que se acharem feitas, os vigários não poderão recusá-las.
Art. 103º Os vigários terão livros de registro por eles abertos, numerados, rubricados e encerrados. Nesses livros lançarão por si, ou por seus escreventes, textualmente, as declarações, que lhes forem apresentadas, e por esse registro cobrarão do declarante o emolumento correspondente ao número de letras, que contiver um exemplar, a razão de dois reais por letra, e do que receberem farão notar em ambos os exemplares.
Art. 104º Os exemplares, que ficarem em poder dos vigários serão por eles em massa dos, e numerados pela ordem, que forem recebidos, notando em cada um a folha do livro, em que foi registrado.
Art. 105º Os vigários, que extraviarem alguma das declarações, não fizerem o registro, ou nele cometerem erros, que alterem, ou tornem ininteligíveis os nomes, designação, extensão, e limites, de que trata o artigo. 100 deste regulamento, serão obrigados a restituir os emolumentos, que tiverem recebido pelos documentos, que se extraviarem de seu poder, ou forem mal registrados, e além disto sofreram a multa de cinquenta a duzentos mil réis, sendo tudo cobrado executivamente.
Art. 106º Os possuidores de terras, que fizerem declarações falsas, sofrerão a multa de cinquenta a duzentos mil réis; e conforme a gravidade da falta poderá também lhes ser imposta a pena de um a três meses de prisão.
Art. 107º Findos os prazos estabelecidos para o registro, os exemplares em massa dos se conservarão no arquivo das paróquias, e os livros de registro serão remetidos ao delegado do diretor geral das terras públicas da província respectiva, para em vista deles formar o registro geral das terras possuídas na província, do qual se enviará cópia ao supradito diretor para a organização do registro geral das terras possuídas no império.
Art. 108º Todas as pessoas, que arrancarem marcos, e estacas divisórias, ou destruírem os sinais, números, e declarações, que se gravarem nos ditos marcos, ou estacas, e em arvores, pedras nativas, & c., serão punidas com a multa de duzentos mil réis, além das penas à que estiverem sujeitas pelas leis em vigor.
Palácio do Rio de Janeiro em 30 de Janeiro de 1854.
Luiz Pedreira do Couto Ferraz.
 
Documento 8
Título: Lei Nabuco de Araújo (5.06.1854) – LEI 731
Contexto Histórico: Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1854

LEI NABUCO DE ARAÚJO (5.06.1854) – LEI 731
DECLARA DESDE QUANDO DEVE TER LUGAR A COMPETÊNCIA DOS AUDITORES DE MARINHA PARA PROCESSAR E JULGAR OS RÉUS MENCIONADOS NO ARTIGO 3º DA LEI 581 DE 4 DE SETEMBRO DE 1850, E OS CASOS EM QUE DEVEM SER IMPOSTAS PELOS MESMOS AUDITORES AS PENAS DE TENTATIVA DE IMPORTAÇÃO DE ESCRAVOS.
Declara desde quando deve ter lugar a competência dos auditores de marinha para processar e julgar os réus mencionados no artigo 3º da lei 581 de 4 de setembro de 1850, e os casos em que devem ser impostas pelos mesmos auditores as penas de tentativa de importação de escravos.
Hei por bem sancionar, e mandar que se execute a resolução seguinte da assembleia geral legislativa.
Art. 1º A competência dos auditores de marinha, para processar e julgar os réus mencionados no artigo terceiro da lei número quinhentos e oitenta e um de quatro de setembro de mil oitocentos e cinquenta, terá lugar depois da publicação da presente resolução, ainda quando a perseguição dos delinquentes e dos escravos desembarcados não se realize no ato do desembarque, e se faça posteriormente logo que a autoridade pública tiver notícia do desembarque, qualquer que seja a distância da costa em que eles se achem.
Art. 2º Será punido com as penas de tentativa de importação de escravos, processado e julgado pelos ditos auditores, o cidadão brasileiro, aonde quer que resida, e o estrangeiro residente no Brasil, que for dono, capitão ou mestre, piloto ou contramestre, ou interessado no negócio de qualquer embarcação, que se ocupe no tráfico de escravos, continuando, em relação aos que importarem para o Brasil, a disposição da lei de quatro de setembro de mil oitocentos e cinquenta.
Esta disposição não compreende o cidadão brasileiro residente em país estrangeiro, que aí já tiver sido processado e julgado pelo mesmo crime.
Art. 3º Ficam revogadas quaisquer disposições em contrário.
José Thomaz Nabuco de Araújo, do meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, assim o tenha entendido e faça executar Palácio do Rio de Janeiro em 5 de Junho de 1850, trigésimo terceiro ano da Independência e do Império.
Com a rubrica de sua majestade o imperador.
José Thomaz Nabuco de Araújo.

Documento 9
Título: Lei do Ventre (28.08.1871) – Lei 2.040
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1871

LEI DO VENTRE LIVRE (28.09.1871) - LEI 2.040
DECLARA DE CONDIÇÃO LIVRE OS FILHOS DE MULHER ESCRAVA QUE NASCEREM DESDE A DATA DESTA LEI, LIBERTOS OS ESCRAVOS DA NAÇÃO E OUTROS, E PROVIDÊNCIA SOBRE A CRIAÇÃO E TRATAMENTO DAQUELES FILHOS MENORES E SOBRE A LIBERTAÇÃO ANUAL DE ESCRAVOS
A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador e Senhor dom Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral Decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.
1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de 30 anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
§ 2º Qualquer desses menores poderá remir-se do ônus de servir, mediante prévia indenização pecuniária, que por si ou por outrem ofereça ao senhor de sua mãe procedendo-se à avaliação dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre a quantidade da mesma indenização.
§ 3º Cabe também aos senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquelas estiverem prestando serviços. Tal obrigação, porém, cessará logo que findar a prestação dos serviços da mãe. Se estas falecerem dentro daquele prazo, seus filhos poderão ser postos à disposição do Governo.
§ 4º Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito anos, que estejam em poder do senhor dela por virtude do § 1º, lhe serão entregues, exceto se preferir deixá-los, e o senhor anuir a ficar com eles.
§ 5º No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, menores de 12 anos, a acompanharão, ficando o novo senhor da mesma escrava subrogado nos direitos e obrigações do antecessor.
§ 6º Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no § 1°, se, por sentença do juízo criminal, reconhecer-se que os senhores da mãe os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
§ 7º O direito conferido aos senhores no § 1º transfere-se nos casos de sucessão necessária, devendo o filho da escrava prestar serviços à pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.
Art. 2º O Governo poderá entregar a associações por ele autorizadas, os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do artigo 1º § 6º.
§ 1º As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos, e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:
1º A criar e tratar os mesmos menores;
2º A constituir para cada um deles um pecúlio, consistente na quota que para este fim for reservada nos respectivos estatutos;
3º A procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada colocação.
§ 2º As associações de que trata o parágrafo antecedente serão sujeitas à inspeção dos juízes de órfãos, quanto aos menores.
§ 3º A disposição deste artigo é aplicável às casas de expostos, e às pessoas a quem os juízes de órfão encarregarem da educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos criados para tal fim.
§ 4º Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos públicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o § 1º impõe às associações autorizadas.
Art. 3º Serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação.
§ 1º O fundo de emancipação compõe-se:
1º Da taxa de escravos.
2º Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3º Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que forem concedidas daqui em diante para correrem na capital do Império.
4º Das multas impostas em virtude desta lei.
5º Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provinciais e municipais.
6º De subscrições, doações e legados com esse destino.
§ 2º As quotas marcadas nos Orçamentos provinciais e municipais, assim como as subscrições, doações e legados com destino local, serão aplicadas à emancipação nas províncias, comarcas, municípios e freguesias designadas.
Art. 4º É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio.
§ 1º Por morte do escravo, a metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmitirá aos seus herdeiros, na forma da lei civil. Na falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação, de que trata o artigo 3º.
§ 2º O escravo que, por meio de seu pecúlio, obtiver meios para indemnização de seu valor, tem direito a alforria. Se a indemnização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciais ou nos inventários o preço da alforria será o da avaliação.
§ 3º É, outrossim, permitido ao escravo, em favor da sua liberdade, contratar com terceiro a prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos, mediante o consentimento do senhor e aprovação do juiz de órfãos.
§ 4º O escravo que pertencer a condôminos, e for libertado por um destes, terá direito à sua alforria, indemnizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer. Esta indemnização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos, em conformidade do parágrafo antecedente.
§ 5º A alforria com a clausula de serviços durante certo tempo não ficará anulada pela falta de implemento da mesma clausula, mas o liberto será compelido a cumpri-la por meio de trabalho nos estabelecimentos públicos ou por contratos de serviços a particulares.
§ 6º Às alforrias, quer gratuitas, quer a título oneroso, serão isentas de quaisquer direitos, emolumentos ou despesas.
§ 7º Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges, e os filhos menores de 12 anos, do pai ou da mãe.
§ 8º Se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum deles preferir conservá-la sob o seu domínio, mediante reposição da quota parte dos outros interessados, será a mesma família vendida e o seu produto rateado.
 § 9º Fica revogada a ordem livro 4º, título 63º, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.
Art. 5º Serão sujeitas à inspeção dos juízes de órfãos as sociedades de emancipação já organizadas e que de futuro se organizarem. 
Parágrafo único. As ditas sociedades terão privilégio sobre os serviços dos escravos que libertarem, para indemnização do preço da compra.
Art. 6º Serão declarados libertos:
§ 1º Os escravos pertencentes à nação, dando-lhes o Governo a ocupação que julgar conveniente.
§ 2º Os escravos dados em usufruto à Coroa.
§ 3º Os escravos das heranças vagas.
§ 4º Os escravos abandonados por seus senhores. Se estes os abandonarem por inválidos, serão obrigados à alimentá-los, salvo o caso de penúria, sendo os alimentos taxados pelo juiz de órfãos.
§ 5º Em geral, os escravos libertados em virtude desta Lei ficam durante cinco anos sob a inspeção do Governo. Eles são obrigados a contratar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exibir contrato de serviço. 
Art. 7º Nas causas em favor da liberdade:
§  1º O processo será sumário.
§ 2º Haverá apelações ex-officio quando as decisões forem contrarias à liberdade.
Art. 8º O Governo mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes do Império, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se for conhecida.
§ 1º O prazo em que deve começar e encerrar-se a matrícula será anunciado com a maior antecedência possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserta a disposição do parágrafo seguinte.
§ 2º Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados à matrícula, até um ano depois do encerramento desta, serão por este facto considerados libertos.
§ 3º Pela matrícula de cada escravo pagará o senhor por uma vez somente o emolumento de 500 réis, se o fizer dentro do prazo marcado, e de 1$000 se exceder o dito prazo. O produto deste emolumento será destinado às despesas da matrícula e o excedente ao fundo de emancipação.
§ 4º Serão também matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava, que por esta lei ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligência, na multa de 100$ a 200$, repetida tantas vezes quantos forem os indivíduos omitidos, e, por fraude nas penas do artigo 178º do código criminal.
§ 5º Os párocos serão obrigados a ter livros especiais para o registro dos nascimentos e óbitos dos filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos à multa de 100$000.
Art. 9º O Governo em seus regulamentos poderá impor multas até 100$ e penas de prisão simples até um mês.
Art. 10º. Ficam revogadas as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário de Estado de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos 28 de Setembro de 1871 quinquagésimo da Independência e o Império.
PRINCESA IMPERIAL REGENTE
Theodoro Machado Freire Pereira da Silva.

Documento 10
Título: Lei dos Sexagenários (28.09.1885) - Lei 3.270 Regulamentada Pelo Decreto Imperial 9.517 Datada de 14.11.1885 (Parte I – Lei 3.270/1885)
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1885

LEI DOS SEXAGENÁRIOS (28.09.1885) - LEI 3.270 REGULAMENTADA PELO DECRETO IMPERIAL 9.517 DATADA DE 14.11.1885 (PARTE I – LEI 3.270/1885)
REGULA A EXTINÇÃO GRADUAL DO ELEMENTO SERVIL
Dom Pedro II, por Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos súditos que a Assembleia Geral Decretou e Nós Queremos a Lei seguinte:
DA MATRÍCULA
Art. 1º Proceder-se-á em todo o Império a nova matrícula dos escravos, com declaração do nome, nacionalidade, sexo, filiação, si for conhecida, ocupação ou serviço em que for empregado, idade e valor, calculado conforme a tabela do § 3º.
§ 1º A inscrição para a nova matrícula far-se-á à vista das relações que serviram de base á matricula especial ou averbação efetuada em virtude da lei de 28 de setembro de 1871, ou à vista das certidões da mesma matricula, ou da averbação, ou à vista do título do domínio, quando nele estiver exarada a matricula do escravo.
§ 2º À idade declarada na antiga matrícula se adicionará o tempo decorrido até o dia em que for apresentada na repartição competente a relação para a matrícula ordenada por esta Lei.
A matrícula que for efetuada em contravenção às disposições dos §§ 1º e 2º será nula, e o coletor ou agente fiscal que à efetuar incorrerá em uma multa de cem mil réis a trezentos mil réis, sem prejuízo de outras penas em que possa incorrer.
§ 3º O valor a que se refere o artigo 1º será declarado pelo senhor do escravo, não excedendo o máximo regulado pela idade do matriculando, conforme a seguinte tabela:
Escravos menores de 30 anos 900$000
Escravos de 30 anos a 40anos 800$000
Escravos de 40 anos a 50anos 600$000
Escravos de 50 anos a 55anos 400$000
Escravos de 55 anos a 60anos 200$000
§ 4º O valor dos indivíduos do sexo feminino se regulará do mesmo modo, fazendo-se, porém, o abatimento de 25% sobre os preços acima estabelecidos.
§ 5º Não serão dados á matricula os escravos de 60 anos de idade em diante; serão, porém, inscritos em arrolamento especial para os fins dos §§ 10 a 12 do artigo 3º.
§ 6º Será de um ano o prazo concedido para a matrícula, devendo ser este anunciado por editais afixados nos lugares mais públicos com antecedência de 90 dias, e públicos pela imprensa, onde a houver.
§ 7º Serão considerados libertos os escravos que no prazo marcado não tiverem sido dados à matrícula, e esta cláusula será expressa e integralmente declarada nos editais e nos anúncios pela imprensa.
Serão isentos de prestação de serviços os escravos de 60 anos a 65 anos que não tiverem sido arrolados.
§ 8º As pessoas a quem incumbe a obrigação de dar à matrícula escravos alheios, na forma do artigo 3º do decreto 4.835 de 1 de dezembro de 1871, indemnizarão aos respectivos senhores o valor do escravo que, por não ter sido matriculado no devido prazo, ficar livre.
Ao credor hipotecário ou pignoratício cabe igualmente dar à matricula os escravos constituídos em garantia.
Os coletores e mais agentes fiscais serão obrigados a dar recibo dos documentos que lhes forem entregues para a inscrição da nova matricula, e os que deixarem de efetuá-la no prazo legal incorrerão nas penas do artigo 154º do Código Criminal, ficando salvo aos senhores o direito de requerer de novo a matrícula, a qual, para os efeitos legais, vigorará como si tivesse sido efetuada no tempo designado.
§ 9º Pela inscrição ou arrolamento de cada escravo pagar-se-á 1$ de emolumentos, cuja importância será destinada ao fundo de emancipação, depois de satisfeitas as despesas da matrícula.
§ 10º Logo que for anunciado o prazo para a matrícula, ficarão relevadas as multas incorridas por inobservância das disposições da lei de 28 de setembro de 1871, relativas à matrícula e declarações prescritas por ela e pelos respectivos regulamentos.
A quem libertar ou tiver libertado, a título gratuito, algum escravo, fica remitida qualquer dívida à Fazenda Pública por impostos referentes ao mesmo escravo.
O Governo no Regulamento que expedir para execução desta lei, marcará um só e o mesmo prazo para à apuração da matrícula em todo o Império.
Art. 2º O fundo de emancipação será formado:
I. Das taxas e rendas para ele destinadas na legislação vigente.
II. Da taxa de 5% adicionais a todos os impostos gerais, exceto os de exportação.
Esta taxa será cobrada desde já livre de despesas de arrecadação, e anualmente inscrita no orçamento da receita apresentado à Assembleia Geral Legislativa pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda.
III. De títulos da dívida pública emitidos a 5%, com amortização anual de ½ %, sendo os juros e amortização pagos pela referida taxa de 5%.
§ 1º A taxa adicional será arrecadada ainda depois da libertação de todos os escravos e até se extinguir a dívida proveniente da emissão dos títulos autorizados por esta Lei.
§ 2º O fundo de emancipação, de que trata o número I deste artigo, continuará a ser aplicado de conformidade ao disposto no artigo 27º do regulamento aprovado pelo decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872.
§ 3º O produto da taxa adicional será dividido em três partes iguais:
A 1ª parte será aplicada à emancipação dos escravos de maior idade, conforme o que for estabelecido em regulamento do Governo.
A 2ª parte será aplicada à libertação por metade ou menos de metade de seu valor, dos escravos de lavoura e mineração cujos senhores quiserem converter em livres os estabelecimentos mantidos por escravos.
A 3ª parte será destinada a subvencionar a colonização por meio do pagamento de transporte de colonos que forem efetivamente colocados em estabelecimentos agrícolas de qualquer natureza.
§ 4º Para desenvolver os recursos empregados na transformação dos estabelecimentos agrícolas servidos por escravos em estabelecimentos livres e para auxiliar o desenvolvimento da colonização agrícola, poderá o Governo emitir os títulos de que trata o número 3 deste artigo.
Os juros e amortização desses títulos não poderão absorver mais dos dois terços do produto da taxa adicional consignada no número 2 do mesmo artigo.

DAS ALFORRIAS E DOS LIBERTOS
Art. 3º Os escravos inscritos na matrícula serão libertados mediante indemnização de seu valor pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra forma legal.
§ 1º Do valor primitivo com que for matriculado o escravo se deduzirão:
No primeiro ano 2%
No segundo 3%
No terceiro 4%
No quarto 5%
No quinto 6%
No sexto 7%
No sétimo 8%
No oitavo 9%
No nono 10%
No décimo 10%
No undécimo 12%
No décimo segundo 12%
No décimo terceiro 12%
Contar-se-á para esta dedução anual qualquer prazo decorrido, seja feita a libertação pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra forma legal.
§ 2º Não será libertado pelo fundo de emancipação o escravo invalido, considerado incapaz de qualquer serviço pela Junta classificadora, com recurso voluntário para o Juiz de Direito.
O escravo assim considerado permanecerá na companhia de seu senhor.
§ 3º Os escravos empregados nos estabelecimentos agrícolas serão libertados pelo fundo de emancipação indicado no artigo 2º, § 4º, segunda parte, si seus senhores se propuserem a substituir nos mesmos estabelecimentos o trabalho escravo pelo trabalho livre, observadas as seguintes disposições:
a) Libertação de todos os escravos existentes nos mesmos estabelecimentos e obrigação de não admitir outros, sob pena de serem estes declarados libertos;
b) Indenização pelo Estado de metade do valor dos escravos assim libertados, em títulos de 5%, preferidos os senhores que reduzirem mais a indenização;
c) Usufruição dos serviços dos libertos por tempo de cinco anos.
§ 4º Os libertos obrigados a serviço nos termos do parágrafo anterior, serão alimentados, vestidos e tratados pelos seus ex-senhores, e gozarão de uma gratificação pecuniária por dia de serviço, que será arbitrada pelo ex-senhor com aprovação do juiz de órfão.
§ 5º Esta gratificação, que constituirá pecúlio do liberto, será dividida em duas partes, sendo uma disponível desde logo, e outra recolhida a uma Caixa Economia ou Coletoria, para lhe ser entregue, terminado o prazo da prestação dos serviços a que se refere o § 3º, última parte.
§ 6º Às libertações pelo pecúlio serão concedidas em vista das certidões do valor do escravo, apurado na forma do artigo 3º, § 1º, e da certidão do deposito desse valor nas estações fiscais designadas pelo Governo.
Essas certidões serão passadas gratuitamente.
§ 7º Enquanto se não encerrar a nova matrícula, continuará em vigor o processo atual de avaliação dos escravos, para os diversos meios de libertação, com o limite fixado no artigo 1º, § 3º.
§ 8º São válidas as alforrias concedidas, ainda que o seu valor exceda ao da terça do outorgante e sejam ou não necessários os herdeiros que porventura tiver.
§ 9º É permitida a liberalidade direta de terceiro para à alforria do escravo, uma vez que se exiba preço deste.
§ 10º São libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois da data em que entrar em execução esta Lei; ficando, porém, obrigados, a título de indemnização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos.
§ 11º Os que forem maiores de 60 anos e menores de 65 anos, logo que completarem esta idade, não serão sujeitos aos aludidos serviços, qualquer que seja o tempo que os tenham prestado com relação ao prazo acima declarado.
§ 12º É' permitida a remissão dos mesmos serviços, mediante o valor não excedente À metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 anos a 60 anos de idade.
§ 13º Todos os libertos maiores de 60 anos, preenchido o tempo de serviço de que trata o § 10, continuarão em companhia de seus ex-senhores, que serão obrigados a alimentá-los, vesti-los, e tratá-los em suas moléstias, usufruindo os serviços compatíveis com as forças deles, salvo si preferirem obter em outra parte os meios de subsistência, e os juízes de órfãos os julgarem capazes de o fazer.
§ 14º É domicílio obrigado por tempo de cinco anos, contados da data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação, o município onde tiver sido alforriado, exceto o das capitais.
§ 15º O que se ausentar de seu domicílio será considerado vagabundo e apreendido pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas.
§ 16º O Juiz de Órfão poderá permitir a mudança do liberto no caso de moléstia ou por outro motivo atendível, si o mesmo liberto tiver bom procedimento e declarar o lugar para onde pretende transferir seu domicílio.
§ 17º Qualquer liberto encontrado sem ocupação será obrigado à empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe for marcado pela polícia.
§ 18º Terminado o prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido a determinação da polícia, será por esta enviado ao juiz de órfão, que o constrangerá a celebrar contrato de locação de serviços, sob pena de 15 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma colônia agrícola no caso de reincidência.
§ 19º O domicílio do escravo é intransferível para província diversa da em que estiver matriculado ao tempo de promulgação desta lei.
A mudança importará aquisição da liberdade, exceto nos seguintes casos:
1º Transferência do escravo de um para outro estabelecimento do mesmo senhor.
2º Se o escravo tiver sido obtido por herança ou por adjudicação forçada em outra província.
3º Mudança de domicílio do senhor.
4º Evasão do escravo.
§ 20º O escravo evadido da casa do senhor ou d'onde  estiver empregado não poderá, enquanto estiver ausente, ser alforriado pelo fundo de emancipação.
§ 21º À obrigação de prestação de serviços de escravos, de que trata o § 3º deste artigo, ou como condição de liberdade, não vigorará por tempo maior do que aquele em que à escravidão for considerada extinta.

DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 4º Nos regulamentos que expedir para execução desta lei o Governo determinará:
1º Os direitos e obrigações dos libertos a que se refere o § 3º do artigo 3º para com os seus ex-senhores e vice-versa.
2º Os direitos e obrigações dos demais libertos sujeitos à prestação de serviços e daqueles a quem esses serviços devam ser prestados.
3º A intervenção dos curados gerais por parte do escravo, quando este for obrigado à prestação de serviços, e as atribuições dos juízes de direito, juízes municipais e de órfãos e juízes de paz nos casos de que trata a presente lei.
§ 1º A infração das obrigações a que se referem os números 1 e 2 deste artigo será punida conforme a sua gravidade, com multa de 200$ ou prisão com trabalho até 30 dias.
§ 2º São competentes para à imposição dessas penas os juízes de paz dos respectivos distritos, sendo o processo o do decreto 4.824 de 29 de Novembro de 1871, artigo 45º e seus parágrafos.
§ 3º O acoitamento de escravos será capitulado no artigo 260º do Código Criminal.
§ 4º O direito dos senhores de escravos à prestação de serviços dos ingênuos ou á indemnização em títulos de renda, na forma do artigo 1º, § 1º, da lei de 28 de setembro de 1871, cessará com a extinção da escravidão.
§ 5º O Governo estabelecerá em diversos pontos do Império ou nas províncias fronteiras colônias agrícolas, regidas com disciplina militar, para as quais serão enviados os libertos sem ocupação.
§ 6º A ocupação efetiva nos trabalhos da lavoura constituirá legitima isenção do serviço militar.
§ 7º Nenhuma província, nem mesmo as que gozarem de tarifa especial, ficará isenta do pagamento do imposto adicional de que trata o artigo 2º.
§ 8º Os regulamentos que forem expedidos pelo Governo serão logo postos em execução e sujeitos à aprovação do Poder Legislativo, consolidadas todas as disposições relativas ao elemento servil constantes da lei de 28 de setembro de 1871 e respectivos regulamentos que não forem revogados.
Art. 5º Ficam revogadas as disposições em contrário.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos 28 de Setembro de 1885, 64º da Independência e do Império.
Imperador com rubrica e guarda.
Antonio a Silva Prado.
Carta de lei, pela qual Vossa Majestade Imperial Manda executar o Decreto da Assembleia Geral, que houve por bem sancionar, regulando à extinção gradual do elemento servil, como nele se declara.
Para Vossa Majestade Imperial Ver.
João Capistrano do Amaral a fez.
Chancelaria-mor do Império. - Joaquim Delfino Ribeiro da Luz.
Transitou em 30 de Setembro de 1885. - Antonio José Victorino de Barros. - Registrada.
Publicada na Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1º de Outubro de 1885. - Amarilio Olinda de Vasconcellos.

Documento 11
Título: Lei dos Sexagenários (28.09.1885) - Lei 3.270 Regulamentada Pelo Decreto Imperial 9.517 Datada de 14.11.1885 (Parte II – Lei 3.270/1885)
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1885

LEI DOS SEXAGENÁRIOS (28.09.1885) - LEI 3.270 REGULAMENTADA PELO DECRETO IMPERIAL 9.517 DATADA DE 14.11.1885 (PARTE II – LEI 3.270/1885)
APROVA O REGULAMENTO PARA A NOVA MATRÍCULA DOS ESCRAVOS MENORES DE 60 ANOS DE IDADE, ARROLAMENTO ESPECIAL DOS DE 60 ANOS EM DIANTE E APURAÇÃO DA MATRÍCULA, EM EXECUÇÃO DO ARTIGO 1º DA LEI 3.270 DE 28 DE SETEMBRO DESTE ANO
Hei por bem aprovar o Regulamento para a nova matrícula dos escravos menores de 60 anos de idade, arrolamento especial dos de 60 anos em diante e apuração da matricula, em execução do artigo 1º da lei 3.270 de 28 de setembro deste ano, o qual com este baixa, assignado por Antonio da Silva Prado, do Meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que assim o tenha entendido e faça executar. 
Palácio do Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 1885, 64º da Independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.
Antonio da Silva Prado.
Regulamento a que se refere o decreto 9.517 desta data para à execução do artigo 1º da lei 3.270, de 28 de setembro de 1885.
Art. 1º Do dia 30 de março de 1886 até o dia 30 de março de 1887 ficarão abertos em todo o Império a nova matrícula e arrolamento dos escravos.
§ 1º Deste serviço ficam encarregados os funcionários da anterior matrícula, observando-se o processo e disposições em vigor, de acordo com as determinações do presente regulamento.
§ 2º Os funcionários encarregados da nova matrícula, pelo modo dos artigos 10º e 11º do decreto 4.835 de 1º de dezembro de 1871 e com antecedência de 90 dias, mandarão anunciar o prazo marcado neste artigo, inserindo integralmente nos anúncios a disposição do § 7º do artigo 1º da lei.
§ 3º Logo que for anunciado o prazo para a nova matrícula, ficarão relevadas as multas incorridas por inobservância das disposições da lei de 28 de setembro de 1871, relativas à matrícula e declarações prescritas por ela e pelos respectivos regulamentos.
Art. 2º A inscrição para a nova matricula far-se-á à vista das relações, que servirão de base á matricula especial ou de averbação efetuadas em virtude da lei de 28 de setembro de 1871, ou de certidões da mesma matricula, ou da averbação, ou à vista do título de domínio, quando nele estiver exarada a matricula do escravo.
§ 1º As relações em duplicata para a nova matrícula serão conformes ao modelo A, contendo a declaração do nome do escravo, nacionalidade, sexo, filiação, si for conhecida, ocupação ou serviço em que for empregado, idade e valos, calculado conforme a tabela do artigo 3º, além do número de ordem da matricula anterior.
§ 2º À idade declarada na antiga matrícula se adicionará o tempo decorrido até o dia em que for apresentada na repartição competente a relação para a nova matrícula e arrolamento.
Art. 3º O valor será dado pelo senhor do escravo, ou quem legalmente por ele, não excedendo o máximo regulado pela idade do matriculando conforme a seguinte tabela:
Escravos menores de 30 anos 900$000
Escravos de 30 anos a 40anos 800$000
Escravos de 40 anos a 50anos 600$000
Escravos de 50 anos a 55anos 400$000
Escravos de 55 anos a 60anos 200$000
§ 1º O valor das escravas será regulado pela mesma tabela com o abatimento de 25% dos preços nela estabelecidos.
§ 2º Presumem-se certas para os efeitos da lei, as declarações da antiga matrícula, a esta presunção só cedera à vista de sentença passada em julgado.
§ 3º Verificado o caso do parágrafo antecedente, o funcionário encarregado da matrícula remeterá para o juízo a contestação (artigo 7º da lei de 28 de setembro de 1871, e artigos 80º e 81º do decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872), suspensa a matrícula do respectivos matriculando.
§ 4º Em qualquer tempo, a requerimento do senhor, proceder-se-á à matrícula suspensa, si, pelo que for julgado, tenha de prevalecer a declaração contestada.
§ 5º A declaração de idade e valor do escravo, assim nas relações, como na matrícula e arrolamento, serão escritos por extenso.
Art. 4º Além das pessoas mencionadas no artigo 3º do decreto 4.835 de 1º de dezembro de 1871, cabe ao credor hipotecário ou pignoratício dar à matricula os escravos constituídos em garantia.
§ 1º Se concorrerem à matrícula o devedor com o credor hipotecário ou pignoratício e divergirem no valor, prevalecerá o valor da Lei ou que dele mais se aproximar.
§ 2º Se concorrerem condomínios e divergirem no valor, prevalecerá o declarado pelo que tiver maior porção no condomínio.
§ 3º Se o direito dos condomínios for igual, prevalecerá o valor da lei ou o que dele mais se aproximar.
Art. 5º Não será admitido à matrícula o escravo de 60 anos de idade em diante, verificada pela declaração da antiga matrícula, adicionado ao tempo decorrido até a data deste regulamento.
Art. 6º Os funcionários encarregados da nova matrícula são obrigados a dar recibo dos documentos que lhes forem entregues para a inscrição.
Art. 7º Terminado o prazo do artigo 1º, serão considerados libertos, e gozarão desde logo da liberdade, os escravos que não tiverem sido dados à matrícula ou arrolamento, independente de qualquer formalidade.
§ 1º O escravo assim libertado, ou alguém por ele, poderá requerer, e o empregado da inscrição ou a cargo de quem ficar o livro da nova matrícula, fornecerá gratuitamente certidão negativa, que servirá de título de liberdade, e como tal será aceito e reconhecido.
§ 2º Se o escravo for dado à inscrição da nova matrícula, que não se efetue por culpa ou omissão dos encarregados dela, fica salvo aos senhores ou a quem legalmente por estes, o direito de requere-la, e para os efeitos legais vigorará como si efetuada no tempo designado.
Por tal culpa ou omissão incorrerá o responsável nas penas do artigo 154º do Código Penal.
§ 3º O senhor do escravo libertado por não ter sido dado à matrícula, terá o direito de haver do responsável pela omissão (artigo 3º do decreto 4835 do 1º de dezembro de 1871) a indenização do valor do libertado, calculado pela tabela da lei.
Art. 8º É nula a matrícula de individuo não contemplado na antiga. A identidade do matriculando e do matriculado resulta da combinação exata das declarações nas relações, que servirão de base à matrícula especial, ou averbação efetuada, ou das certidões de uma e outra, e da matrícula anterior com as declarações nas relações para a nova matrícula.
§ 1º A nulidade declarada importa multa de 100$ a 300$ contra o coletor ou agente fiscal, que efetuar a matrícula.
§ 2º Incorrem no crime do artigo 179º do Código Penal, os que concorrerem para que se efetue a matrícula de pessoal livre, ou já liberta pela posse da liberdade ou por disposição da lei.
§ 3º A nulidade pode ser declarada em qualquer tempo, ou ex-officio ou por provocação.
§ 4º Pela só declaração da nulidade, compete ao matriculado indevidamente a ação de indenização do dano sofrido.
Art. 9º Cada uma das estações encarregadas da matrícula terá um livro intitulado - da nova matrícula dos escravos - com os requisitos do artigo 8º do decreto 4.835 do 1º de dezembro de 1871, e um índice alfabético. (artigo 9º do citado decreto).
§ 1º O livro será escriturado conforme o modelo B, com as declarações do artigo 2º § 1º do presente regulamente, do número de ordem, averbações e mais individuações constantes da matrícula especial; e o indico conforme o modelo C.
§ 2º Não será feita averbação no livro da matrícula, de transferência do domicílio do escravo para outra província, sendo nos casos excetuados no artigo 3º § 19 da lei 3.270 declarados no tempo e pelo modo estabelecidos no artigo 21º do decreto 4.835 e provados:
a) por documento que mostre ser o senhor proprietário do estabelecimento para onde mudou o escravo;
b) por formal de partilhas, e carta de adjudicação forçada.
§ 3º A averbação de transferência do domicílio do escravo, sem prévia apresentação dos documentos indicados, ou com falsos documento, é nula. A nulidade pode ser declarada em qualquer tempo, ex-officio ou por provocação, e produzirá os efeitos dos §§ 1º a 4º do artigo 8º do presente regulamento.
Art. 10º O arrolamento especial dos escravos de 60 anos em diante será feito no município, em que residirem, à vista das relações em duplicata para os fins dos §§ 10º e 12º do artigo 3º da lei.
§ 1º São competentes para promover o arrolamento as pessoas indicadas no artigo 4º do presente regulamento.
§ 2º As relações para o arrolamento devem conter: o nome por inteiro do ex-senhor, o seu domicilio e o do escravo, o número de ordem da matricula, o nome do escravo, seu sexo, idade, nacionalidade, filiação, si for conhecida, ocupação ou serviço em que for empregado, número de ordem na relação e observações. (Modelo D).
§ 3º Fica criado para o arrolamento um livro intitulado do arrolamento especial dos libertos pela idade - com os mesmos requisitos do livro da nova matrícula dos escravos, e o respectivo índice alfabético (Modelo E).
§ 4º Neste livro far-se-á o assentamento da idade do arrolando, do prazo dos serviços a que está obrigado (§§ 10 e 11 do artigo 3º da lei), do nome do ex-senhor a quem deve os serviços, a data em que se extingue a obrigação, números de ordem, indicação do tomo e folhas, designação do domicilio do senhor e o do arrolando, data do arrolamento (mês, dia e ano), sexo, nacionalidade, filiação, si for conhecida, ocupação ou serviço em que for empregado, números de ordem, tomo e folhas da matricula especial anterior.
§ 5º No índice alfabético declarar-se-á: o nome do ex-senhor, os números de ordem, o tomo e folhas do arrolamento (Modelo F).
§ 6º Presume-se certa, para os efeitos da lei, a idade declarada na matrícula especial, feita a adição a que alude o § 2º do artigo 2º do presente regulamento, salvo si tiver sido alterada por sentença passada em julgado, anteriormente à data da mesma lei.
Será considerado, em todo o caso, desde já, livre, ainda que sujeito a prestação de serviços, o escravo que, pela referida matrícula somente, ou pela adição do tempo decorrido, tiver completado à idade de 60 anos.
§ 7º No caso de prova de idade certa por sentença passada em julgado, se observará a disposição dos §§ 3º e 4º do artigo 3º do presente regulamento.
Art. 11º Ficarão isentos de prestação de serviços os escravos de 60 anos e 65 anos não arrolados, salvo o caso do artigo 7º § 2º deste regulamento, no qual é aplicável ao responsável a pena do artigo 154º do Código Penal.
§ 1º O arrolado que completar à idade de 65 anos será eliminado do arrolamento, feita a necessária averbação, e não será sujeito a serviços em indenização da alforria, qualquer que seja o tempo em que os tenha prestado.
§ 2º No fim de cada trimestre, a contar da data do encerramento da nova matricula, serão eliminados dela, mediante as respectivas averbações, e transferidos para o livro do arrolamento, os escravos matriculados que, no correr do trimestre, tiverem completado 60 anos de idade, dando os encarregados da matrícula ao juiz dos órfãos comunicação imediata de tais averbações e transferências.
§ 3º Dentro de 10 dias, contados do recebimento da comunicação, o juiz dos órfãos mandará intimar por carta do escrivão os senhores de tais escravos para, no decurso do mês seguinte, os trazerem à sua presença, sob pena de, não o fazendo no referido prazo, pagarem a multa de 20$ para o fundo de emancipação e assinar-se-lhes novo prazo de mais uma vez, findo o qual se imporá ao remisso outra multa de 100$, que será aplicada ao resgate do arrolado, na forma disposta no artigo 3º § 12 da lei 3.270 de 28 de setembro de 1885.
§ 4º Comparecendo os senhores, ou alguém por eles com os escravos, o Juiz, presente o Escrivão, que lavrará o competente auto em livro especial para esse fim, declarará aos escravos que, por efeito da lei, estão libertos, com a clausula de continuarem a prestar serviços aos seus ex-senhores, ainda durante o tempo de três anos, e que, findos estes, ficarão na companhia dos mesmos seus ex-senhores, nos termos do artigo 3º § 13 da lei.
§ 5º Seja qual for o tempo em que se cumprir esta formalidade, o prazo de três anos se contará sempre no dia em que o escravo tiver completado a idade de 60 anos, e, do mesmo dia, assim como daquele em que deverá terminar o referido prazo, se fará menção no auto de que trata o parágrafo antecedente.
Art. 12º Pela inscrição ou arrolamento de cada escravo, o senhor, ou quem legalmente por ele, pagará mil réis de emolumentos, cuja importância será destinada ao fundo de emancipação, depois de satisfeitas as despesas da matrícula.
Art. 13º Expirado o prazo marcado no artigo 1º ficará encerrada a nova matricula, e salvos os casos do § 2º do artigos 7º e 11º deste regulamento, não será admitida nova relação ou pedido de matricula ou arrolamento, qualquer que seja a razão ou pretexto alegado, ainda que a favor de menores, interditos, ausentes e outras pessoas privilegiadas em direito.
§ 1º Nos casos excetuados é necessário despacho do funcionário incumbido da matrícula e arrolamento, ançado em requerimento da parte prejudicada, ou decisão superior administrativa em recurso interposto, ou sentença.
§ 2º Os termos de encerramento da matrícula e arrolamento serão lavrados às 4 horas da tarde do dia 30 de março de 1887 - com as solenidades do artigo 15º do decreto 4.835 do 1º de dezembro de 1871.
§ 3º O funcionário encarregado da matrícula, concluída e encerrada esta, assim como o arrolamento, remeterá ao presidente da respectiva província, e o da Corte ao Ministro da Agricultura, Commercio e Obras Públicas as relações destinadas a serem arquivadas (artigo 13º do decreto 4.835).
A remessa será feita em ofício registrado, dentro do prazo de dois meses, depois de encerrada a matrícula.
§ 4º Os presidentes das províncias remeterão ao Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, no prazo improrrogável de três meses, um resumo das relações da matrícula e arrolamento dos escravos da respectiva província, segundo os modelos G e H.
§ 5º O Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas mandará publicar em um só corpo o resumo da nova matrícula e do arrolamento, por províncias e municípios.
Art. 14º Ficam revogadas as disposições em contrário.
Palácio do Rio de Janeiro em 14 de Novembro de 1885. - Antonio da Silva Prado.

Documento 12
Título: Lei Áurea (13.05.1888) - Lei 3.353
Contexto Histórico: Abolição do Trabalho Servil
Autor: Coroa Brasileira
País: Brasil
Ano: 1885

LEI ÁUREA (13.05.1888) - LEI 3.353
DECLARA EXTINTA À ESCRAVIDÃO NO BRASIL
A Princesa Imperial Regente, em nome de sua Majestade o imperador, o senhor dom Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que à Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei à escravidão no Brasil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O secretário de estado dos negócios da agricultura, comércio e obras públicas e interino dos negócios estrangeiros, bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888, sexagésimo sétimo ano da Independência e do Império.
Princesa Imperial Regente.
RODRIGO AUGUSTO DA SILVA
Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembleia Geral, que houve por bem sancionar, declarando extinta à escravidão no Brasil, como nela se declara.
Para Vossa Alteza Imperial ver.
Chancelaria-mór do Império.- Antonio Ferreira Vianna.
Transitou em 13 de Maio de 1888.- José Júlio de Albuquerque

Documento 13
Título: Carta-Testamento
Contexto Histórico: Terceira República
Autor: Getúlio Vargas
País: Brasil
Ano: 1954

CARTA-TESTAMENTO
24 de agosto de 1954

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem o trabalhador, seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro do espiral inflacionário que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançaram até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio à crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para uma reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vis. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.

TEXTO PARA REFLEXÃO
A história está para a humanidade assim como a memória está para o indivíduo; a história é a memória coletiva.” André Piganiol (1883-1968)
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